Altântico ultrapicante

O Pavilhão Atlântico, Parque das Nações, em Lisboa, transformou-se segunda-feira num jardim zoológico. Os Red Hot Chili Peppers, quatro animais de palco, brilharam na sua estreia em Portugal. Na primeira parte, os Da Weasel levaram a sua doninha a passear. E o Atlântico, também conhecido por "barata do Parque", enlouqueceu. Um concerto para mais tarde recordar.

Depois de os parques zoológicos portugueses terem estado na ordem do dia, o Pavilhão Atlântico, Parque das Nações, em Lisboa, foi na passada segunda-feira palco de um evento que o espectador mais desatento podia ser levado a confundir com a actualidade zoológica nacional. Os Red Hot Chili Peppers fizeram a sua estreia em Portugal, e deixaram claras as razões que fazem deles verdadeiros animais de palco. Na primeira parte, os Da Weasel levaram a doninha a passear e com ela o melhor hip-hop que se faz em Portugal. E o Atlântico, que no decorrer da Expo-98 ganhou a simpática alcunha de "barata do Parque", enlouqueceu com o frenesim das 16 mil pessoas que aí estiveram presentes. A barata tonta, os animais de palco e a doninha "tá-se bem" transformaram o Atlântico num jardim zoológico. O espectáculo no Atlântico começou muito antes da hora marcada. Esgotado há cerca de três semanas, este era um daqueles típicos concertos a que não faltam duas espécies diferentes de indivíduos: os admiradores, aqueles que não se importam de pagar o que for preciso para ver "a" sua banda, e os candongueiros, aqueles que se aproveitam da desgraça dos outros e que pelo prazo de uma noite vestem a pele de revendedores "sui generis" para quem a taxa de inflação nacional não passa de mais um dado estatístico. Há três meses, quando os bilhetes foram postos à venda para o concerto do Atlântico, o seu preço oscilava entre os 3500 e os 5 mil escudos. Na segunda, a uma hora do início do concerto, o valor dos ingressos variava entre os 10 mil escudos por bilhete e os 45 contos à razão de três entradas. O negócio prolifera e parece que o crime, por vezes, compensa.O concerto propriamente dito iniciou-se ao ritmo de ruídos e interferências. Em jeito de prelúdio a "Around the world", um dos temas-chave do último álbum dos Peppers, o baixista Flea, o guitarrista John Frusciante e um ecrã dessintonizado situado atrás do palco envolveram-se numa acesa disputa para ver quem fazia gritar mais alto os respectivos instrumentos. Quem ganhou foi o público, apanhado de surpresa no turbilhão decibélico e determinado a garantir logo aí que o novíssimo Atlântico não passaria daquela noite. Os Peppers serviram-se de um alinhamento inteligente para agarrar o público, e ao fim dos primeiros quatro temas, entre os quais "Give it away" e "Scar tissue", o insólito acontecia. As quatro pimentas, de quem a nudez em palco se tornou uma imagem de marca, demoravam a tirar parte da roupa colorida que vestiam. O público vibrante cansou-se de esperar, e a dada altura começaram a voar pelos céus do Atlântico "t-shirts" e camisolas lançadas por uma assistência apostada em provocá-los. Como num "show" de "strip-tease", o público libertava-se da roupa, fazia voá-la como aves e fechava o ciclo dos animais que transformaram o Atlântico num zoo. Os Peppers sentiram-se como peixes na água, seguiram as instruções do público à risca e a partir daí a festa não mais parou. Temas como "Otherside", "Under the bridge", "Suck my kiss", "My lovely man", "Easily" e "Californication" transformaram a arena num segundo palco de selvajaria e confirmaram que os Peppers não são a música, são os músicos. Dos quatro, Flea foi o que mais se destacou, talvez por parecer que estava no zoo por engano. Mais dado às actividades circences, o baixista dos Peppers encarna a alma viva do "show-bizz" americano, uma espécie de espectáculo dentro do espectáculo a que o público se rendeu deleitado. Com o cabelo pintado de vermelho, o palhaço desdentado dos Peppers parece ter gostado do que viu, e dirigiu ao público um longo e jocoso agradecimento em falseto: "Obrigado Lisboa! Obrigado, obrigado e obrigado. Obrigado do fundo do meu coração. Obrigado. Ah... e obrigado!". Ao fim de hora e meia de actuação os Peppers despediam-se do Atlântico, deixando o público a pedir por mais. Optaram contudo por salvaguardar a eficácia, a energia pura e o imediatismo que marcou a primeira passagem do quarteto por Portugal. Para uma banda cuja história se assemelha à de um gato de sete vidas, a pergunta é mais que legítima: será que foi a última?

Sugerir correcção