"Pintura é tudo o que se cola"

O Prémio Maluda de Pintura, atribuído a Ana Vidigal, consagra a geração de artistas que fez o regresso à pintura nos anos 80. A ironia deste prémio, entregue este ano pela primeira vez e instituído por disposição testamentária da pintora Maluda, é que a artista foi escolhida pelas instituições contra as quais a sua geração se afirmou. Em entrevista, Ana Vidigal fala das exposições em preparação e do seu particular processo de trabalho.

Ana Vidigal, que anteontem à noite recebeu o Prémio Maluda de Pintura 99, diz que os cinco mil contos do galardão lhe vão trazer mais liberdade. Liberdade para fazer trabalhos mais experimentais, como os desenhos que estarão expostos na sua próxima individual, a inaugurar a 11 de Março, na Biblioteca da Gulbenkian, em Ponte de Sor. A pintora de 39 anos, que foi distinguida pela exposição que juntou este Verão na Galeria 111, em Lisboa, 50 das suas obras, falou sobre um trabalho que utiliza papéis como se fosse tinta: "Para mim pintura é tudo o que se cola."PÚBLICO - O que é que este Prémio Maluda de Pintura significa para si?ANA VIDIGAL - É um prémio que me vai permitir fazer um determinado número de coisas que se calhar não teria oportunidade para fazer, como viajar. Vai dar-me mais qualidade de vida, que é uma coisa muito importante. A instalação utiliza coisas que estavam guardadas na teia do teatro e que geralmente não são reutilizadas. A Ruth e eu fizemos a ligação entre uma queda de água da Madeira, chamada o Véu da Noiva, com uns panos de cena brancos que são utilizados para fazer fundos e que irão ser suspensos na cauda de um vestido de noiva. Vamos utilizar o vestido de noiva da minha mãe e fazer toda essa ligação: a constante presença da água na Madeira, a mulher e todos os rituais de passagem - adolescência, casamentos, divórcios. Eu nunca senti qualquer tipo de discriminação, mas há pessoas que têm imensos problemas e logicamente isso aparece no meu trabalho. Aparece é de uma forma muito discreta, em pequenas frases coladas, de que só se lê metade. É preciso um pouco de paciência para lá chegar. Mas muitas vezes isso também pode ser visto pelo seu lado irónico: são utilizações de frases que retiradas do seu contexto - da literatura cor-de-rosa, em que a mulher tem sempre um papel um pouco patético e ridículo - têm outro significado. Isso é um jogo de palavras que me dá muito gozo fazer, para além do lado pictórico, da pintura em si.

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