Isabel II em quatro actos

A Rainha de uma das nações mais poderosas da Europa visitou, pela primeira vez, o segundo país mais pobre do mundo: Moçambique, membro recém-chegado à Commonwealth. Com Maputo em plena campanha eleitoral, Isabel II de Inglaterra quis dar um toque de imparcialidade. Jantou com Chissano e dedicou 20 minutos a Dhlakama.

A primeira e curtíssima visita da Rainha Isabel II a Moçambique desenrolou-se ontem em quatro actos. Chegou às 12 horas locais e partiu à noite, deixando a promessa britânica de apoio ao desenvolvimento de um país -o segundo mais pobre do mundo - que há dois anos decidiu entrar para a Commonwealth.O acto central da estadia da monarca foi um banquete oferecido pelo Presidente Joaquim Chissano no seu palácio da Ponta Vermelha, num ambiente em que predominou a gastronomia inglesa e em que a africanidade estava apenas presente num cenário de pinturas com verdejantes tons tropicais. Os dois estadistas realçaram os laços de cooperação existentes a nível da Commonwealth, uma opção tomada por Moçambique há dois anos com a justificação de que, no contexto da África Austral, o país está rodeado pela anglofonia e de que a adesão à comunidade britânica facilitaria a integração regional, sem prejuízo para o seu espaço lusófono. Curiosamente, volvidos dois anos e no rescaldo da cimeira da organização que ontem terminou na cidade sul-africana de Durban (ver texto em baixo), Chissano reconheceu que Moçambique ainda não obteve "benefícios concretos".No seu discurso no banquete, o Presidente lembrou que as relações entre Maputo e Londres datam dos acordos de Lancaster House que, nos finais dos anos 80, conduziram à independência do Zimbabwe. Depois justificou a presidência moçambicana da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral): "O binómio paz e desenvolvimento será a característica principal." Também falou de Angola, referindo que, "enquanto a guerra não mostrar sinais de cessar, a maior preocupação de toda a comunidade internacional deverá centrar-se na assistência humanitária, enquanto se buscam os caminhos da paz".O segundo acto da rainha foi a inauguração da Semana de Parceria Moçambique-Reino Unido, que, no majestoso Hotel Polana, é corporizada numa feira comercial com a presença de investidores britânicos e locais e muitos seminários.Se, no campo político, as coisas caminham para bom porto, é no económico que se levantam algumas questões quanto ao rumo da relações entre um dos países mais ricos e um dos mais pobres do mundo. Embora a ajuda pública britânica à recuperação estrutural de Moçambique tenha sido significativa e o investimento privado tenda, de um modo geral, a subir, já as trocas comerciais bilaterais atravessam um período de estagnação.Em 1997, a Grã-Bretanha exportou bens para Moçambique no valor de 14,2 milhões de libras e importou 3,35 milhões. No ano seguinte, exportou menos dois milhões de libras e importou 3,68 milhões. E, de Janeiro a Agosto deste ano, as vendas britânicas ascenderam a 7,5 milhões de libras contra apenas 2,2 milhões de compras. Por outro lado, uma multinacional de longas tradições em África, a Lonrho - praticamente a única presença britânica de proa em Moçambique durante a guerra -, atravessa um período de desinteresse pelo continente em geral. Em Moçambique, isso já se traduziu na intenção de venda das suas acções na Lomaco.Mas há notícias animadoras. Para além do investimento da Billiton na Mozal (1,3 mil milhões de dólares, mais de 250 milhões de contos), a Commonwealth Development Corporation já forneceu créditos locais no valor de 80 milhões de dólares (15,5 milhões de contos) e aparece com regularidade nas conversas dos empresários locais como parceiro potencial na procura externa de financiamentos. A empresa britânica aparentemente mais estável no mercado moçambicano é a petrolífera BP, com investimentos que ascendem aos 26 milhões de dólares (cinco milhões de contos).De visita a um país que vive a efervescência da campanha eleitoral para as eleições de 3 e 4 de Dezembro, a Rainha Isabel não deixou de dar um toque de imparcialidade política. Jantou com Chissano, candidato da Frelimo à sua reeleição, mas disponibilizou também 20 minutos do seu tempo para um encontro com Afonso Dhlakama, o líder da Renamo, que quer destronar o Presidente. "Falámos de paz, democracia, eleições, desenvolvimento económico, interesses britânicos em Moçambique, de cooperação entre os dois países", explicou o chefe da oposição. "Falei muito da falta de fundos. O partido no poder tem muito dinheiro, tem tudo, usa tudo. Ela entendeu as dificuldades e encorajou os moçambicanos a manter a paz e reconciliação."O frente-a-frente com Dhlakama foi o terceiro acto da visita real. O quarto foi quando recebeu, e agradeceu imenso, as chaves da cidade de Maputo, oferecidas pelo Conselho Municipal.

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