CNL: canal? de notícias? de Lisboa?

Começa hoje (segunda-feira)em Cannes mais uma edição do Mipcom, uma feira internacional de programas de televisão. Durante quatro dias, televisões e produtoras de todo o mundo reúnem-se no Palácio dos Festivais para comprar, vender ou simplesmente conhecer produtos para o pequeno ecrã. De Portugal, seguem os directores das três estações, mas apenas a RTP leva na bagagem um catálogo de programas para comercializar.

A criação do CNL - Canal de Notícias de Lisboa - é mais um passo para a liberalização das escolhas televisivas dos portugueses. Quanto mais escolha, mais liberdade. Quanto mais notícias, maior capacidade de apreensão da realidade. Chegando via satélite a toda a Europa, o CNL junta-se à RTPi, à SporTV Internacional e à SIC Internacional na afirmação duma escolha de canais em português para as comunidades emigrantes.Depois da SporTV, o CNL é outra iniciativa com origem na empresa que contacta mais portugueses e mais depressa, a Portugal Telecom. A PT está assim numa posição privilegiada para passar de empresa de transporte de serviços (desde a conversa telefónica ao canal de TV) a empresa que transporta os seus próprios conteúdos. Todavia, fazer um bom conteúdo (canal, programa, site, revista, livro, artigo...) é quase sempre uma proeza muito mais difícil que a sua concretização técnica e transporte. Depois de inventada, a técnica torna-se fácil. O conteúdo tem que ser (re)inventado a todo o instante.Foi essa uma das razões por que a SIC optou por entregar a outra entidade a difusão do canal, reservando energias para a criação de conteúdos. A PT optou por fazer tudo. Depois da SporTV, cuja especificidade lhe garante uma audiência certa e onde os principais «conteúdos» são, afinal, fornecidos pelos clubes de futebol, o CNL é verdadeiramente o primeiro grande desafio do grupo PT na área da criatividade.A expectativa criada pelos promotores foi grande: tratava-se do primeiro canal regional e exclusivamente dedicado à informação. As promoções do canal indicaram que o público aguardava com agrado um canal de notícias. Infelizmente, o lançamento do CNL não correspondeu às expectativas criadas. O canal é um híbrido sem ritmo, sem força, sem identidade, sem o que em tempos idos se chamava «raça». O que mais se nota no canal de notícias é a quase ausência de notícias. O dia informativo do CNL tem um número muito reduzido de reportagens e notícias. A renovação das «estórias» é muitíssimo pequena e as que se repetem não são reformuladas. A hora informativa é muito confusa, espartilhada, sem «leitura» pelo espectador. Está desarrumada. Quando começam verdadeiramente as notícias? Porquê os títulos se não anunciam notícias? Há mais separadores do que notícias e há mais meteorologia e trânsito do que notícias. O elemento fundamental dum canal de notícias, a continuidade, parece inexistente. O CNL informativo não tem conteúdo e não tem forma.Em vez de notícias e de reportagens, o CNL tem separadores, promoções, trânsito (aliás, ausência de notícias do trânsito, dado que nunca há nada de novo), e uma meteorologia tão a correr que nem dá para ver as temperaturas. Alguns separadores têm erros técnicos perfeitamente evitáveis, como o «paralítico» tremido no final da meteorologia. Os repetidos erros técnicos ao fim de duas semanas são preocupantes: na manhã em que escrevo (30/9), em menos de dez minutos o canal teve uma pivot desfocada mais de um minuto, teve falhas de som e finalmente ficou mudo durante dois minutos com a emissão a correr e o separador "Meteo" continuava por corrigir.As cores e tonalidades escolhidas são frias e sem vivacidade. Os indicativos musicais são «low-profile». Todos os pivots são jovens, o que, sendo uma qualidade para um projecto novo, retira ao canal a experiência e segurança dos jornalistas mais experimentados. As notícias têm poucas imagens e são quase sempre lidas com um sorriso nos lábios. Alguns dos pivots, nomeadamente um da economia, nem sequer sabem ler, o que é de bradar aos céus. A falta de «raça» e de renovação, de estilo e de carácter editorial é de tal forma gritante que na manhã informativa as notícias mais interessantes são as que os pivots lêem das primeiras páginas dos jornais diários. O mesmo já não se passa com a revista da «imprensa» estrangeira, pois recorre-se ao site na Internet de... outros canais de TV (CNN, Sky News, BBC World), em vez de se mostrar esses mesmos canais ou os jornais. As primeiras semanas não mostraram melhorias - não houve correcção de erros de conteúdo - excepto no período da manhã. Todavia, sem notícias nem reportagens, a arrumação que aí se verificou foi insuficiente para para dar substância à emissão.Chamando-se de Lisboa, o CNL pretende ser um canal de informação global. Só que uma parte da informação (meteorologia, trânsito, agenda, reportagens de rua) é de facto da região de Lisboa, pelo que o híbrido provoca confusão. Não é um canal de Lisboa, porque não tem um carácter verdadeiramente regional e urbano.Mas também não é um canal verdadeiramente global, pois não tem essa qualidade: alguém se lembrou de olhar para o CNL para ver as notícias de Timor? Para acompanhar a campanha eleitoral (numa manhã inteira só mostraram um comício do Bloco de Esquerda)? Alguém foi ver ao CNL as notícias do furacão nos EUA ou do terramoto em Taiwan? Ao apresentar-se como um canal de informação global, o CNL colocou-se a si mesmo num patamar muito alto - e é nesse patamar que tem de ser comparado com a informação que nos prestam não só os canais generalistas como os canais de notícias.Grande parte do horário de funcionamento do CNL afasta-o do carácter de canal informativo. De manhã, à tarde e à noite, apresenta programas que não cabem num canal de notícias. Surpreendentemente, é nos programas que vamos encontrar o melhor do CNL, mas isso não diminui o facto de a sua presença contribuir também para a hibridez, neste caso a caminho do canal generalista. Em resumo, o CNL não é propriamente um canal de notícias, não é propriamente um canal de Lisboa, mas também não é propriamente um canal generalista. Tendo em conta os meios disponíveis, a reforma é possível, mas o tempo e as energias perdidas fazem lamentar que o primeiro canal português de notícias não tenha correspondido às expectativas dos espectadores, nomeadamente os da região de Lisboa.

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