O surrealista de Benfica

Meteorologista, poeta, tradutor, crítico musical, diplomata, surrealista, comendador. É de esquerda, embora não acredite nesta democracia. Autointitula-se monárquico e anarquista. José Blanc de Portugal é um autodidacta à antiga, estudioso de tudo, da ciência à religião, das artes à literatura. Nasceu em Lisboa no dia em que Fernando Pessoa descobriu os seus heterónimos, dia de glória de Ricardo Reis, a 8 de Março de 1914. Exerceu a profissão de meteorologista no tempo da guerra, com códigos secretos. Passou uma temporada em Angola nos anos 50 onde participou na Primeira Exposição Surrealista de África. Ganhou o Prémio Fernando Pessoa em 1959, com o livro "Parva Naturalia". O Brasil recebeu-o como diplomata nos anos 70. Lembra-se do funeral de Sidónio Pais. E também de Carmona, de Craveiro Lopes e de Humberto Delgado. Viu passar, no Saldanha, o General Gomes da Costa vindo de Braga. Foi amigo de Jorge de Sena, de Ruy Cinatti, de Régio, de Casais Monteiro, de Almada- Negreiros e dos surrealistas da Brasileira e do Chave D'Ouro. Fundou os Cadernos de Poesia em 1951. Natália Correia incluiu-o na sua Antologia do Surrealismo. Era amigo de Marcello Caetano e Eanes condecorou-o, após o 25 de Abril, com a Ordem do Infante D. Henrique. Foi também fundador do Hot Club de Portugal, ao lado de Luís Vilas-Boas

Um seu trisavô foi da Maçonaria. Os seus avós eram monárquicos e tinham o culto de Sidónio Pais. Os seus pais mantiveram essa filosofia, saudaram o general Gomes da Costa e detestaram a República de Óscar Carmona. Escreveu poemas toda a vida e tem hoje quatro filhos, cinco netos e um bisneto.José Blanc de Portugal, licenciado em Ciências Geológicas, nasceu na Travessa das Almas, em Lisboa, a 8 de Março de 1914, uma data singular que marca a biografia de Fernando Pessoa, o dia em que o escritor descobriu os seus heterónimos. Mas não chegou a conhecê-lo. Deu-se apenas com os sobrinhos no tempo da Universidade. Mas um prémio literário com o nome de Fernando Pessoa ninguém lho tira.Com dois anos foi viver para Benfica. Fez a escola primária em casa com uma professora de Carnide. Jogava a bola na Estrada do Poço do Chão, viu as lavadeiras a lavar roupa no rio na Avenida Grão Vasco. Era vizinho dos Lobo Antunes, pais do escritor António Lobo Antunes, e dos Serpas do hóquei em patins, Olivério e Sidónio. Em Benfica, "a miudagem jogava era hóquei em campo, modalidade que depois passou para o Benfica, tornou-se no hóquei em patins e onde jogaram aqueles atletas", diz José Blanc de Portugal, sublinhando que João Lobo Antunes "era muito bom em corrida e em hóquei, mas um bocado bruto nas entradas".Quando se casou foi viver para a Estrada dos Arneiros para um chalé pequeno com um limoeiro e uma figueira que já não existem. No final dos anos 30 começou a trabalhar na Pan American Airways, na área da meteorologia e das rotas, onde passou o tempo que durou a II Guerra Mundial. Após a sua carreira de meteorologista, dedicou-se à diplomacia e, a seguir, quase exclusivamente a uma das suas actividades preferidas, a crítica musical. Vive hoje num apartamento da Estrada de Benfica, junto à Travessa do Vintém das Escolas, a rua dos Lobo Antunes. É autor, entre outros, dos livros "Anticrítico" (1960), "O Espaço Prometido" (1960), "Odes Pedestres" (1965), "Descompasso" (1986), "Enéadas" (1989) ou "Quaresma Abreviada" (1997). Traduziu T.S.Eliot, Shakespeare, Pratolini, Truman Capote, Christopher Fry e Coccioli.Foi fundador dos Cadernos de Poesia, com o Ruy Cinatti e o Tomaz Kim e mais tarde com o João Cabral do Nascimento. "Depois apareceram o França, o Sena, o Casais Monteiro, o Régio...". Colaborou em revistas como "Ocidente", "Tricórnio", "Aventura", "Graal" e a "Rumo" que era da Opus Dei e onde conheceu o Ruy Belo. Aliás, a Opus Dei fez-lhe um rapapé, mas nunca aceitou entrar naquela organização: "Chateia-me muita gente inteligente ao mesmo tempo", diz.Além da Brasileira, onde conheceu Almada-Negreiros, frequentou a tertúlia do Palladium. Era a sede da filosofia portuguesa. Apareciam o José Marinho, o Orlando Vitorino, o Álvaro Ribeiro que era o papa, às vezes o Casais Monteiro, o Jorge de Sena, o Santana Dionísio. "Não era nada sistemático. Só ao domingo é que era certo, era chamada a missa do Marinho. Mas nunca fui à missa".Foi também, com Luís Vilas-Boas, um dos fundadores do Hot Club. Na altura, assinou uma petição para que fosse classificado como uma sociedade cultural. Só que tinha que ter um parecer da Câmara Corporativa onde era delegado da música o maestro Ivo Cruz. Este disse logo: "O Jazz? Cultural, nem pensar!". De modo que ficou nas sociedades recreativas. José Blanc de Portugal descende de uma família com dois ramos conhecidos, os Mello Breyner do seu trisavô Pedro Mello Breyner, da parte do pai - Tomás de Mello Breyner, conde Mafra (1866-1933) e Francisco de Mello Breyner, Conde Ficalho (1837-1903), eram alguns dos parentes, num ramo que vem dar à poetisa Sophia de Mello Breyner, ainda parente do entrevistado -, e os Blanc de Portugal, da parte da mãe (Bertha Augusta de Faria Blanc de Portugal), que vem de um trisavô, D. Caetano de Portugal, casado em segundas núpcias com Ludovina O' Neill, uma linha que vem dar ao poeta Alexandre O'Neill. A descendente viva mais conhecida dos Portugal é a actriz Sofia de Portugal, neta de José Blanc.O seu pai, António de Mello Breyner, foi sempre empregado da Companhia dos Tabacos. Foi um dos primeiros sócios da Voz do Operário. Mas José Blanc de Portugal deve imenso sobretudo ao seu tio Caetano. Se não fosse ele não teria tido educação superior, porque eram pobres, apesar dos nomes apontarem para famílias de nobreza. O que aconteceu foi que o tio era jogador inveterado e ganhou um prémio na Lotaria de Santo António. Um balúrdio, para a altura, diz José Blanc de Portugal. O mesmo aconteceu, assegura o entrevistado, com o seu vizinho Lobo Antunes.

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