Pais mentem ao registar os filhos

Qualquer pessoa poder, na actualidade, registar um nado-vivo sem necessitar de provar que o mesmo nasceu e que é seu filho, enquanto o registo das variáveis "local da ocorrência do parto" e "peso à nascença do nado-vivo" são objecto de falsificação grosseira e maciça. Resultados surpreendentes de um estudo no distrito de Braga. A realidade nacional não deve ser muito diferente.

O pai de um recém-nascido é quem maioritariamente regista o nascimento da criança e quem contribui para a quase totalidade das declarações falsas no acto de registo, as quais atingem percentagens extremamente elevadas sobretudo no que se refere aos dados relativos aos "partos ocorridos no domicílio" e ao "peso à nascença" (mais de 90 por cento e quase 60 por cento de declarações não verídicas, respectivamente). São conclusões que constam da tese de doutoramento sobre "A morbilidade e mortalidade infantil em territórios-amostra do distrito de Braga - desigualdades territoriais e sociais", da autoria de Paula Remoaldo, professora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho.A investigadora decidiu divulgar agora alguns problemas no registo dos nados-vivos por si detectados durante a elaboração da tese por considerar que vêm a propósito, numa altura em que as lacunas do Código de Registo Civil - que não obriga à apresentação de um documento comprovativo do parto no acto de registo de um nascimento, mas apenas os bilhetes de identidade dos pais - vieram de novo a lume, no âmbito da reportagem da RTP-Açores sobre supostas doações ilegais e vendas de recém-nascidos na ilha Terceira. Recorde-se que, segundo a responsável pelo serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital de Angra do Heroísmo, há mulheres que fazem acordos com casais estranhos para a doação ou mesmo a venda de recém-nascidos, os quais são registados no nome daqueles, na conservatória de registo civil local, logo após o parto. Uma prática que, a crer nos resultados obtidos por esta professora, poderia perfeitamente verificar-se também nos quatro concelhos do distrito de Braga por ela analisados. Depois de ter entrevistado 1412 mulheres residentes nos concelhos de Guimarães, Fafe, Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto que tiveram um filho entre 1 de Outubro de 1994 e 30 de Março de 1995, Paula Remoaldo concluiu que, para além de qualquer pessoa poder, na actualidade, registar um nado-vivo sem necessitar de provar que o mesmo nasceu e que é seu filho, as variáveis "local da ocorrência do parto" e "peso à nascença do nado-vivo" são as mais susceptíveis de falsificação. E as percentagens de declarações falsas que encontrou são significativas: 91,3 por cento dos registos de ocorrência de parto no domicílio nos quatro concelhos estudados eram falsos (na realidade, as crianças tinham nascido no Hospital de Guimarães e não em casa) e mais de metade (50,9 por cento) dos registos do peso à nascença não eram fidedignos. O fenómeno é imputável, em parte, ao facto de os pais - que são quem normalmente regista os filhos, sendo raras as mães que vão às conservatórias declarar o nascimento - preferirem muitas vezes declarar que as crianças nasceram em casa, apesar de o parto ter ocorrido no hospital, para que seja a freguesia de naturalidade a figurar no registo. Com o peso à nascença, o problema prende-se quase sempre com o desconhecimento, por parte do pai, do peso exacto da criança na altura do parto.Uma situação que, na opinião da professora, deveria ser alterada, até porque, ao contribuir para o registo de dados estatísticos não fidedignos, pode mesmo pôr em causa a correcção dos estudos de saúde materno-infantil. Como soluções, Paula Remoaldo propõe a revogação dos procedimentos actuais e a participação efectiva dos médicos e do pessoal de enfermagem dos hospitais e das maternidades no processo de registo, como acontece já nalguns países europeus.Cita, a propósito, o exemplo da Bélgica, onde a maternidade - através do médico ou da enfermeira-parteira - envia directamente o aviso de nascimento à conservatória ("Maison Communale") antes de terem decorrido 24 horas após o parto. Caso tal não seja exequível, a investigadora sugere, em alternativa, que os pais sejam obrigados a apresentar uma declaração passada pelo estabelecimento hospitalar onde o parto ocorreu, mencionando todas as variáveis, nomeadamente o peso à nascença e a duração da gestação. Considera, por último, que seria útil alertar os funcionários das conservatórias de registo civil para a importância da veracidade e qualidade dos dados registados.

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