A Pop que nunca existiu

Patrick Caulfield, um dos nomes principais da Pop inglesa, esteve em Portugal para a inauguração da sua exposição no edifício sede da Fundação Calouste Gulbenkian. Já possuidor de uma obra deste artista, integrada no núcelo de arte pop britânica, o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão associou-se a esta iniciativa que, vinda da Hayward Gallery, em Londres, e do Luxemburgo, seguirá mais tarde para os Estados Unidos.

"Sempre gostei de pintar cenas de interior. Nunca me interessei pela temática pop como a que os americanos utilizaram. Aliás, a Pop foi um termo inventado por um crítico. Não quer dizer muito". Patrick Caulfield, que falou ao PÚBLICO sobre a sua obra, patente no edifício sede da Fundação Calouste Gulbenkian, não se identifica como artista Pop. Nunca se interessou pela temática que os norte-americanos difundiram, directamente inspirada pelos ícones da sociedade de consumo: imagens extraídas de filmes, de anúncios, do quotidiano de uma sociedade que, nos finais dos anos 50, depois de uma guerra mundial particularmente dolorosa, queria sobretudo gastar e viver."Prefiro os interiores: salas com um mobiliário muito vulgar, onde existem cadeiras e mesas que são fabricadas aos milhares, como as cadeiras e mesas que se encontram nas casas de muitas pessoas", diz, comentando a maioria das pinturas que apresenta nesta exposição. As cenas de interior, de facto, dominam, na maioria sem personagens, construídas como estrutras e grelhas que salientam o desenho, sem o modular com sombras e notações ilusionistas. Aqui e ali, como uma citação irónica, apontamentos de uma paisagem, de um prato de restaurante, uma imagem de papel de parede, inserem-se como colagens sobre o desenho de base. A ironia advém da qualidade pictórica destes motivos, num piscar-de-olho ao gosto comum, à qualidade "inglesa" da pintura de paisagem, ao "lamber" do pincel sobre a superfície da tela que é a assinatura de marca da pintura mais kitsch.E falemos de pintura decorativa. Patrick Caulfield, que nasceu em 1936 numa família de origem operária, começou por pensar em tornar-se "artista comercial", como refere numa entrevista a Bryan Robertson inserida no catálogo. Frequentou aulas de desenho enquanto fez o serviço militar. Concorreu depois à Slade, onde não entrou por lhe terem perguntado de que artistas gostava, e ter tido "de responder que não conhecia os nomes de nenhuns artistas", entrando depois para a Chelsea School, para o departamento de arte comercial, antes de se mudar para as belas-artes, passado um trimestre. "Desde o princípio que Chelsea era um paraíso em comparação com a RAF (Royal Air Force)", diz, na mesma entrevista. "Boas companhias, pausas para o café. Eu nem acreditava que se podia viver assim. A pessoa que mais me influenciou perto do fim da minha frequência foi Jack Smith", o cineasta "underground", acrescenta.Caulfield não hesita em destacar os aspectos mais comezinhos dos seus anos de aprendizagem. Contudo, é durante esta época que toma contacto com a tradição ocidental da arte europeia, e que se interessa pela reinterpretação própria das suas bases. A cor, a luz, a forma, os estilos, os géneros, e sobretudo os modos pelos quais a sociedade apreende a arte, tudo passa pelo seu crivo, num permanente processo de reinterpretação que caracteriza a sua obra. Uma das primeiras peças incluídas na montagem reproduz um célebre quadro de Delacroix, "La Grèce expire dans les ruines de Missolonghi" (1963); mas a imagem é tratada em planos de cor não modulados, como um cartaz comercial ou, melhor: um cartaz político.Caulfield não refuta a qualidade decorativa da sua pintura, antes a inserindo numa longuíssima tradição que teve sempre presente que um quadro se pendurava numa parede, dentro de um interior - e não, unicamente num museu. Recusa liminarmente o rótulo de pintor realista. "Pintar qualquer coisa que já exista seria muito aborrecido, não acha?". Paradoxalmente, ou talvez não, parecem ser os artistas que, como personagens, mais se distanciaram do estereótipo do artista (como excêntrico, louco, maldito) que o interessam. Juan Gris, o cubista espanhol tão diferente de Picasso, ou Magritte, o surrealista belga que se vestia de fato, gravata e chapéu de côco (e que só casou uma vez...), estão bem presentes, de um modo ou de outro, na sua obra: os quadros mais recentes representam estruturas geométricas que se lêem como luz e obscuridade, e, não raro, um copo de conhaque ou um cachimbo que bem poderia ser o de "Ceci n'est pas une pipe".Se lhe perguntarem porque a história da arte ocidental está tão presente na sua obra, Caulfield é capaz de sorrir e dizer: "Sabe, eu parto de um título que me põe a trabalhar. Não precisa de ser o título definitivo, às vezes mudo tudo no fim... São coisas que demoram muito tempo. Depois vou para um 'pub', sento-me, bebo qualquer coisa, sou capaz de me interessar por um objecto qualquer, um copo, uma garrafa, o cachimbo... Invento situações imaginárias. Os meus quadros nascem assim, é uma maneira de fazer qualquer coisa. Sou um pintor muito vulgar".Através de tintas industriais aplicadas sobre cartão, surgem assim salas vazias, bares desertos, quartos e vestíbulos em interiores de casas da classe média inglesa. Sempre vazios, sempre através de um desenho que apenas destaca o contorno, sem o trazer à nossa capacidade de identificação imediata, deixando o espectador com uma sensação de desconforto que é tudo menos fruto da arte kitsch e decorativa que o pintor não se cansa de citar. Patrick Caulfield acaba por confessar: "O que me interessa é que as pessoas se interroguem sobre as suas próprias certezas. O que me interessa é criar o choque do que é familiar".

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