Evangélicos seduzem ciganos

Tradicionalmente católicos, os ciganos têm vindo a ser seduzidos por cultos evangélicos. A Igreja Evangélica Filadélfia de Portugal, no terreno desde os anos 70, é, entre eles, a que maior implantação tem. Mas outros grupos evangélicos estão a virar-se para a comunidade. Do lado católico, procura-se juntar a vertente social à pastoral.

Um número crescente de ciganos tem vindo a ligar-se ao protestantismo. A esmagadora maioria, "três a quatro mil", faz parte da Igreja Evangélica Filadélfia de Portugal, criada no início da década de 70 e que tem a região de Lisboa, a zona Alentejo-Algarve, a Beira Baixa e o Porto como áreas de maior implantação. A primeira referência do culto evangélico entre os ciganos foi o "irmão Baltazar", um português. Mas o grande impulso do movimento veio do "célebre irmão Emiliano, [um espanhol] querido em todas as igrejas evangélicas", como o retratou ao PÚBLICO Joaquim Maia Gouveia, "Crisaldo" Maia entre a comunidade. Em meados dos anos 70 começaram a surgir os primeiros pastores portugueses. "Sem estarmos instruídos, sem qualquer preparação bíblica, o irmão Emiliano trouxe-nos a evangelização e fez de nós pregadores", recorda "Crisaldo" Maia. "Crisaldo", pastor e membro da direcção da Igreja por convicção, é vendedor ambulante por profissão.A Igreja de Filadélfia não tem propriamente uma obra social. "Temos planos, mas somos impedidos pela economia", explica "Crisaldo" Maia. Os méritos do seu Centro de Recuperação de Toxicodendentes, existente no Porto, já foram, contudo, reconhecidos. "Os resultados parecem ser altamente positivos, porque o centro consegue não só a recuperação, como a conversão e, em muitos casos, os ex-drogados tornam-se pastores", escreveram Donizete Rodrigues, Ana Paula Santos e Sara Gomes no nº 7 dos "Anais Universitários" da Universidade da Beira Interior.A designação da igreja chegou a incluir a palavra cigana - Igreja Evangélica (Cigana) de Filadélfia de Portugal (não confundir com a Igreja Evangélica Filadélfia Pentecostal). A alusão à etnia terá sido retirada do nome para tentar alargar o âmbito da igreja, referiu ontem ao PÚBLICO Donizete Rodrigues."Temos as portas abertas para todo o que tem sede e fome das coisas de Deus. Infelizmente algumas pessoas têm receio de entrar nas nossas igrejas", explica "Crisaldo" Maia. Faz, no entanto, uma ressalva: na igreja-sede, na Brandoa, arredores de Lisboa, "90 por cento" dos fiéis não são ciganos.A comunidade cigana parece também estar a ser objecto da atenção de outros grupos religiosos. A Assembleia de Deus (com a qual a Igreja de Filadélfia tem uma ligação forte) mas também a Igreja Karisma, a Congregação Cristã, a Igreja Maná e a Igreja Universal do Reino de Deus têm procurado desenvolver a sua acção junto dos ciganos, segundo Donizete Rodrigues.Mais conhecida é a Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos (ONPC), dependente da Conferência Episcopal Portuguesa e principal instrumento de acção da Igreja Católica para este grupo populacional. A obra tem uma vertente espiritual e outra social. Porém, explica Francisco Monteiro, consultor de gestão e comunicação e um dos responsáveis da equipa directiva, "como os ciganos vivem com enormes carências, tem-se dedicado mais ao [trabalho] social". Em Novembro do ano passado, a Obra apresentou os projectos "Dignidade" e "Palavra" que conjugam as duas dimensões. Com o primeiro pretende-se que, até final do próximo ano, todos os "acampamentos estáveis" passem a receber água e luz. Com o segundo pretende-se criar escolas de "formadores ciganos de vida cristã".A Obra está espalhada pelo país mas a sua actividade mais visível tem ocorrido nas dioceses de Lisboa, Aveiro, Porto, Évora, Leiria. Setúbal, Braga e Santarém. O Secretariado de Lisboa, onde o trabalho mais se desenvolveu, divulgou recentemente um estudo (ver PÚBLICO 11/05/99) sobre as aspirações dos jovens ciganos.Mais de três quartos (77 por cento) dos 200 inquiridos, número total dos que têm entre 16 e 25 anos e residem nos concelhos da Amadora, Lisboa e Loures, declarou-se interessado em frequentar acções de formação. E 82 por cento pensa que os filhos poderão vir a ter ocupações diferentes das tradicionais. Para já, o trabalho da Obra tem-se dirigido, essencialmente, para a formação em áreas como o corte e confecção e a pastelaria, a par da alfabetização e, por exemplo, da sensibilização para o acompanhamento médico das crianças e das famílias. A própria organização reconhece que tem muito para fazer.Um dos objectivos do trabalho seu é fomentar a criação de associações de ciganos que possam representar os seus interesses, porque, diz Francisco Monteiro, "em Portugal ou não as há ou não são conhecidas"."Nem sempre a Igreja, em todos os locais, conseguiu dar aos ciganos o que eles merecem", diz Francisco Monteiro, quando interpelado sobre as diferenças do trabalho consoante as dioceses. "Os preconceitos em relação à população cigana, por vezes, também chegam à Igreja", admite.

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