Torne-se perito

Um floricultor bonacheirão

Foi um dos primeiros presos do caso FUP/FP-25 a entrar em greve de fome para forçar uma decisão política. Chegou a perder 24 quilos antes de o indulto assinado por Mário Soares lhe abrir as portas da prisão, nas vésperas do Natal de 1991. Hoje pesa 110 quilos, é floricultor, membro e dirigente de várias associações de agricultores, regionais e nacionais e, mais do que com a política, está preocupado com a degradação ambiental e com os problemas do seu dia-a-dia. Como o preço dos cravos, que vende a 200 escudos o molho para os mercados do Porto. "Vou ter que mudar para as rosas, que a terra está cansada e os cravos rendem pouco", explica, mordaz.Alberto Teixeira de Carvalho, 44 anos, classificado como um dos dirigentes do "Projecto Global" no Tribunal de Monsanto (2º processo), condenado a 20 anos de cadeia, acusado da morte do agente da Polícia Judiciária Álvaro Militão, ocorrida durante a sua perseguição e captura, em Agosto de 1987, é um homem calmo, com um ar bonacheirão. Tão bonacheirão que hoje se torna difícil imaginá-lo a protagonizar qualquer tipo de acção terrorista.A verdade é que se envolveu de corpo inteiro naquilo que designa genericamente como "a política" logo aos 18 anos. Primeiro no Partido Revolucionário do Proletariado/Brigadas Revolucionárias (PRP/BR), depois na Frente de Unidade Popular (FUP). Na sequência da prisão de Isabel do Carmo e de Carlos Antunes, em 1978, passa a viver na clandestinidade. O seu nome aparece associado a assaltos a bancos. Mas só é detido quase uma década depois, na operação que culmina com a morte do agente da Direcção Central de Combate ao Banditismo da PJ.Saído da prisão, voltou às origens, à quinta dos pais, em Viatodos, uma pequena povoação encalhada entre Braga e Barcelos, onde hoje possui cerca de 4 mil metros de estufas e cultiva flores, kiwis e vinha. O regresso não foi particularmente difícil. Alberto concluiu um curso de floricultura financiado com dinheiros comunitários, apresentou um projecto ao IFADAP e dedicou-se aos cravos. Por razões meramente económicas, como faz questão de esclarecer, esta era a flor mais barata e vendia-se bem, à época. Refeita a vida, à semelhança do que aconteceu com os seus companheiros de prisão - "Estamos todos perfeitamente reinseridos, ainda que nenhum de nós seja rico" -, não se arrepende do que fez, nem sofre de pesadelos, até porque acha que saldou as suas contas com a justiça e provou o que tinha a provar: que sabe trabalhar e que não é "um lobisomen, nem um super-homem, nem um assassino". A história da morte de Militão, repete, está mal contada. Diz que o próprio juiz que o condenou, num encontro fortuito, algum tempo após a sua saída da prisão, reconheceu a existência de "muitas coisas nebulosas no passado". E ainda no último Verão, quando o juiz do Tribunal de Loures o mandou prender de novo, quem veio notificá-lo à quinta foi um dos agentes da DCCB baleado na operação de 1987. "Estivemos em amena cavaqueira", recorda, sorridente. Quanto ao passado, esse "tem que ser analisado à luz da época". "Nós fomos importantes para o processo revolucionário. Os elementos da Fretilin eram terroristas e agora são libertadores", afirma, sem medo de comparações . Por outro lado, muitas das acções atribuídas às FP-25 não foram levadas a cabo pela organização. "Criou-se um certo mito, houve muitos exageros." Desvaloriza as mortes, admite apenas que "algumas coisas correram mal". Mas era inevitável: "Em qualquer guerra morrem milhares de pessoas..."Há muito também que deixou de se preocupar com a "barafunda jurídica" em que continua envolvido e com os processos que ainda tem pendentes - "Talvez dez ou 15, não sei quantos foram amnistiados" -, dispensou mesmo os advogados e as apresentações periódicas na polícia. E aprendeu a lidar com os problemas quotidianos de quem é arguido durante anos a fio. Não pode ausentar-se do país, mas todos os anos vai ao estrangeiro por razões profissionais. E a relação de confiança que mantém com um banco local permite-lhe contrair empréstimos, ainda que não possa ter qualquer bem em seu nome.

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