Torne-se perito

O naufrágio da revolução proletária

Hoje passam 15 anos do início da operação policial que recebeu o nome de código "Orion" e que conduziu ao desmantelamento das Forças Populares 25 de Abril. A condenação desta organização terrorista no tribunal de Monsanto arrastou também para o declínio o maior símbolo popular do 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho. Passados quinze anos, o PÚBLICO foi ao encontro de alguns dos personagens do caso judicial "FUP/FP-25" para contar como foi o seu regresso a uma vida normal. E também fazer um ponto de situação sobre um dos maiores imbróglios jurídicos da justiça portuguesa.

Os anos de chumbo ficaram para trás. Passados 15 anos, tudo está a ficar para trás. Os atentados, as bombas, as mortes em nome da revolução do proletariado, a operação policial que conduziu a maior parte dos operacionais e activistas das Forças Populares 25 de Abril à cadeia, o consequente processo judicial conhecido por "caso FUP/FP-25". E também o julgamento, a condenação da organização terrorista, os "processos colaterais" com os chamados casos de sangue que nunca chegaram à barra dos tribunais, as vítimas que permanecem por indemnizar, os recursos e contra-recursos, o jogo das amnistias e as controvérsias dos indultos, as greves de fome, enfim, a balbúrdia, ou mesmo pântano, em que se transformou o único caso de terrorismo de esquerda alguma vez julgado em Portugal. Há que dizer, de resto, que o terrorismo de direita, esse, julgado apenas ao nível da responsabilidade individual de alguns dos seus protagonistas e não de qualquer organização, representa outro fiasco para a justiça portuguesa. Mas, passados 15 anos - e conhecida a incapacidade do Estado em arrumar o assunto de uma vez, seja num sentido, trânsito em julgado da sentença de Monsanto e realização dos julgamentos que faltam, ou noutro, solução política global -, o que fazem os homens que se viram envolvidos nesse megaprocesso que foi o caso FUP/FP-25? Otelo Saraiva de Carvalho, ícone de uma revolução que trouxe a liberdade a Portugal mas não eliminou, mesmo assim, os ímpetos revolucionários de franjas significativas da extrema-esquerda, transformou-se depois do 25 de Novembro no símbolo que os derrotados com o fim do PREC desejavam para continuar a utopia libertária. A sua candidatura presidencial teve 800 mil votos, foi derrotada, mas o apoio popular era evidente. E era o suficiente para desenvolver de forma mais consistente a "resistência contra o avanço da direita e do capitalismo", como era vulgar dizer-se. Muitos dos que tinham integrado as Brigadas Revolucionárias do PRP e criado comités de defesa da Reforma Agrária, através de organizações como a "Rosa Vermelha", que lançava acções de boicote no Alentejo contra a GNR e os latifundiários, viram em Otelo o líder que precisavam para avançar. Otelo acabou por ser apontado como o líder e inspirador das FP-25 e esteve mais de cinco anos preso. Quinze anos depois das dúvidas negras que se abateram sobre o mito de Abril, Otelo continua a suscitar sentimentos profundamente contraditórios em alguns sectores da sociedade portuguesa, inclusive entre os que o acompanharam no percurso revolucionário. Refez a vida criando empresas que se consolidaram em Angola e Moçambique, emprega mesmo alguns dos antigos companheiros que se mantiveram à sua volta, mas outros, apesar de lhe reconhecerem uma "grande generosidade", não lhe perdoam as vacilações protagonizadas em momentos cruciais, como o 25 de Novembro. "Otelo tem branqueado o 25 de Novembro em diversas entrevistas e, sobretudo, numa última que deu ao 'Expresso'", afirma Pedro Goulart. E quase todos divergem de Otelo por este se ter disposto a decifrar os seus famosos cadernos no julgamento de Monsanto. Pedro Goulart é um intelectual envolvido em acções cívicas contra a guerra na Jugoslávia e contra a NATO. Ou nas comemorações populares do 25 de Abril, onde todos os anos é feita uma crítica implacável à "santa aliança" entre "os grandes partidos e a maioria do MFA" para dar "livre curso ao terrorismo da extrema-direita" com o objectivo de promoverem o 25 de Novembro, "um golpe militar antipopular, apadrinhado pelas embaixadas das grandes potências". Em 1984 foi preso e acusado de ser um dos líderes das FP-25. Nestes quinze anos que passaram não cortou todos os laços com antigos camaradas da área da esquerda revolucionária, mas admite que "cada um seguiu a sua vida". Não se revê na atitude política do Bloco de Esquerda, apesar de simpatizar com esta formação, mas acha que "é um fenómeno urbano que tem muito de intelectual e pouco de ligação às massas". José Ramos dos Santos, antigo soldado nas Forças Armadas portuguesas, ferido em Angola, carpinteiro de profissão, foi apontado no caso FUP/FP-25 como um dos operacionais da organização. Assumiu-se sempre como um revolucionário, mas nunca assumiu a sua ligação às FP-25. José Ramos, como outros companheiros seus que foram julgados, colocou-se sempre na posição de que o ónus da prova pertence ao Estado e nunca colaborou. Cumpriu metade da pena e saiu sem pedir indultos ou amnistias. Chegou mesmo a dar entrevistas em que afirmava, repetidamente e como posição de princípio, que "um revolucionário não renega a luta armada". Era considerado na polícia, anos depois da operação policial que desmantelou as FP-25, um "perigoso radical". Passados quinze anos, José Ramos dos Santos regressou ao seu ofício de sempre, a carpintaria, e trabalha por conta própria na zona de Lisboa. A conversa política é um gosto que José Ramos dos Santos mantém, mas não vê ninguém em redor com ideias políticas que o mobilizem.

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