Torne-se perito

O economista revolucionário

Pedro Goulart é um homem que se confunde com tantos outros da sua idade, já para lá dos 50. Nada na sua fisionomia faz adivinhar um passado diferente daquele que teria se toda a vida tivesse sido um modesto professor do ensino secundário. Baixo, circunspecto, calmo nos gestos, mede cada palavra. Vive todo o dia em casa, que é também o seu local de trabalho: deu aulas em escolas privadas, mas vai para uma década que ganha a vida a dar explicações de matemática a alunos do ensino secundário. O rigor de uma ciência, que é um elemento dominante da sua formação de economista, licenciado no Instituto Superior de Economia e Gestão, de Lisboa, conferiu a Pedro Goulart um espírito meticuloso e uma organização milimétrica do seu tempo. Parece que não quer perder um único segundo. Depois das explicações, sobra-lhe pouco tempo, que vai canalizando para as leituras quase exclusivas de livros de economia social, onde avultam as obras de Samir Amin e tudo o que tenha a ver com "a desmontagem da globalização". Os romances e as leituras revolucionárias não foram desprezadas, mas ficaram nas estantes da memória. São leituras "feitas no seu devido tempo".A referência ao tempo histórico é obviamente muito importante na vida de Goulart. Antes do 25 de Abril, entrou para o MDP-CDE e, depois, para o PCP. "Achava que não havia alternativa ao PC, mas já então tinha uma ligação muito crítica à ideia estalinista de um partido centralizado. Tenho uma formação sergiana e tive sempre um espírito crítico. Sou mais um comunista libertário, que não aceita nem deuses nem chefes. Acabei por sair", recorda Pedro Goulart, que acabou por fazer a ruptura com os comunistas ainda antes do 25 de Abril e veio a ser um dos fundadores do PRP-BR, juntamente com Carlos Antunes e Isabel do Carmo. Dessa criação do PRP-BR até se ver sentado numa sala do tribunal especial de Monsanto que julgou as FP-25, foi um salto curto e uma espécie de filme que passou em velocidade acelerada na vida de Goulart e do país. Pelo meio, ficaram uma cisão no PRP-BR, com Goulart numa barricada e a dupla Carlos Antunes/Isabel do Carmo noutra, a desilusão, a derrota mesmo, do fim do Processo Revolucionário em Curso (PREC) com o 25 de Novembro, que desfez os sonhos revolucionários de milhares de portugueses que militavam na extrema-esquerda.Pelo meio, ficou também a experiência otelista. Pedro Goulart foi dos que entraram em 1976 na campanha presidencial de Otelo, envolvimento político que arrastou 800 mil portugueses, muitos já numa atitude de resistência ao que então já consideravam ser "o avanço da direita". Foi essa atitude de resistência e os hábitos da clandestinidade que empurraram muitos militantes da Organização Unitária dos Trabalhadores (OUT) e da Frente Unitária Popular (FUP) para a deriva da luta armada, ou seja, para as FP-25. Pedro Goulart, que nunca assumiu qualquer ligação às FP-25, foi preso um dia depois da operação Orion, juntamente com Otelo Saraiva de Carvalho. No processo judicial do caso FUP/FP-25 foi acusado de ser um dos fundadores do Projecto Global e membro do núcleo de inspiradores do grupo de operacionais que viriam a protagonizar uma vaga de atentados terroristas. Foi-lhe imputada a criação das FP-25 e, por consequência, a autoria moral de crimes de sangue perpretados pelo grupo.Julgado e condenado a 19 anos, acabou por ser libertado após ter cumprido cinco anos de prisão preventiva, tempo que excedeu claramente os prazos legais. Depois foi o que se sabe. O primeiro processo de Monsanto não transitou em julgado, houve recursos para todo o lado, e o caso anda aos trambolhões entre as várias instâncias, houve amnistias e não se espera que alguma vez venha a ser concluído.A esta distância, Pedro Goulart acha que a turbulência processual deste caso "é normal na luta de classes". Sobre o passado fala com evidentes reservas. Reconhece que se voltasse atrás "não faria tudo na mesma", mas vinca bem: "Não me arrependo de um percurso feito na esquerda revolucionária."Este economista, que votou em Sampaio "para ganhar ao menos uma vez na vida", sabe que há sempre duas perguntas incontornáveis nestas conversas sobre a tal esquerda revolucionária. A luta armada? "Tenho algumas dúvidas que tenha feito sentido no pós-25 de Abril." As vítimas das FP-25? "A FUP, a que eu pertencia, defendia a luta de massas. As FP-25 desenvolviam uma luta de outro tipo - e poderia não estar obrigatoriamente de acordo - mas eles lutavam contra gente que reprimia os trabalhadores. Portanto, não me ia demarcar. Poderia não estar de acordo, mas não me ia demarcar."

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