Torne-se perito

Continente perdido no Índico

Diz a lenda que a Atlântida, um continente perdido, ou uma ilha perdida, existiu há muitos milénios em frente às Colunas de Hércules, e que lá se desenvolveu uma civilização avançada. Um cataclismo no Atlântico fê-la desaparecer para sempre. Diz agora a ciência que um continente antigo já existiu, de facto, só que no Índico. Não é certamente a Atlântida, porque o homem ainda nem sequer existia.

Furos no fundo do oceano Índico surpreenderam os cientistas: a descoberta de vestígios de um continente perdido entre a Austrália e a Antárctida. Os furos que o navio de investigação "JOIDES Resolution" fez no fundo do Índico, a cerca de dois mil metros, permitiram trazer para a superfície amostras de rochas com provas da existência de um continente, com um terço do tamanho dos Estados Unidos, e que se afundou há apenas 20 milhões de anos. O que resta desse continente antigo faz hoje parte da chamada Plataforma de Kerguelen, no Sul do Índico, segundo cientistas do Programa de Perfuração dos Fundos Oceânicos (Ocean Drilling Program), o mais importante na área da geologia marinha em termos internacionais, e ao qual Portugal aderiu em 1997, através de um consórcio europeu. Este é um programa de investigação fundamental, que pretende reconstituir a história geológica do planeta. E a história do planeta ganhou um novo capítulo: os furos na Plataforma de Kerguelen não só revelaram diversas rochas associadas a um vulcanismo de tipo explosivo, como também rochas sedimentares e continentais, fósseis e restos de plantas terrestres. "Descobrimos provas abundantes de que boa parte da Plataforma de Kerguelen se formou acima do nível do mar", conta Mike Coffin, da Universidade do Texas (EUA), um dos chefes da missão científica, no comunicado. "Fragmentos de madeira, uma semente, esporos e pólen recuperados de sedimentos com 90 milhões de anos do centro da Plataforma de Kerguelen, perto da ilha de Heard, na direcção sudeste, indicam sem ambiguidade que esta região esteve acima do nível do mar."Fred Frey, do Massachusetts Institute of Technology (EUA), outro chefe da missão, sublinha a importância da descoberta: "É espectacular descobrirmos rochas continentais num aglomerado que provavelmente foi depositado num rio do Banco Elan, um ponto proeminente no centro e no sul da Plataforma de Kerguelen". Compreender como é que pedaços de um continente antigo foram incorporados no ambiente oceânico do Banco Elan será importante para se perceber a deriva dos continentes: "Irá ter um impacto significativo na nossa compreensão de como aconteceu, há aproximadamente 130 milhões de anos, a separação entre a Austrália, a Índia e a Antárctida".O aparecimento deste continente no Sul do Índico, então um jovem oceano, teve na origem erupções vulcânicas muito violentas. A maior parte do continente formou-se num período entre há 110 milhões e 85 milhões de anos. "Este vulcanismo teve uma escala muito maior que qualquer outro que conhecemos. Ao longo dos tempos, à medida que a tectónica de placas afastava as massas continentais da fonte de calor no interior da Terra que esteve na origem do vulcanismo, a crosta da Plataforma de Kerguelen arrefeceu, contraiu-se e gradualmente afundou-se, até ficar entre um e 2,5 quilómetros de profundidade." Os fósseis e restos das plantas terrestres permitiram aos cientistas delimitar as diferentes fases de formação da plataforma. Primeiro, há aproximadamente 110 milhões de anos, formou-se a parte sul, a poucas centenas de quilómetros da Antarctida. Depois, entre há 95 milhões e 85 milhões de anos, nasceu a parte central. O norte, muito mais recente, surgiu há menos de 35 milhões de anos. Nesta altura, já os dinossauros tinham desaparecido: a colisão de um grande meteorito com a Terra extinguiu-os há 65 milhões de anos, diz a teoria mais consensual entre a comunidade científica. Mas terá havido um tempo, num cenário avançado ontem pela BBC Online, em que os dinossauros terão vagueado por este continente, que talvez até estivesse coberto dos fetos típicos de um clima tropical.O homem, pelo seu lado, nunca pôs lá os pés. Quando os primeiros hominídeos apareceram, há cerca de quatro milhões de anos, já o continente havia mergulhado debaixo do oceano. O afundamento iniciou-se há 30 milhões de anos, e desapareceu para sempre há 20 milhões, por causa do movimento das placas tectónicas. Não se trata da mítica Atlântida, mas quem acredita nela poderá reconfortar-se agora com a descoberta de um continente antigo. A lenda da Atlântida - uma vasta ilha ou continente em que existiu uma civilização avançada, mas acabou destruída por um cataclismo - baseia-se fundamentalmente num texto de Platão. O filósofo relata a existência da Atlântida frente às Colunas de Hércules - que hoje conhecemos como estreito de Gibraltar -, nos diálogos "Timeu" e "Crítias". Muito se especulou sobre a Atlântida: há quem a considere uma mera fantasia literária, mas também há quem tenha traçado mapas minuciosos, listas dos seus reis e história pormenorizada. Já foi situada em muitas partes do mundo: na Europa ocidental, no Mediterrâneo, na Tunísia, no Golfo Pérsico ou no Golfo do México. Até há quem diga que os Açores são essa terra desaparecida.

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