Torne-se perito

Borboletas-monarca ameaçadas

As borboletas-monarca fascinam os norte-americanos. Gostam tanto delas que há mesmo quem as venda para casamentos e outras ocasiões especiais. Parte do fascínio deve-se à grande viagem que empreendem do México até ao norte dos Estados Unidos e ao Canadá. O problema é que esta espécie viaja para zonas onde se cultiva milho transgénico, e uma experiência acaba de concluir que o seu pólen mata as borboletas-monarca.

Pólen de milho geneticamente manipulado matou, em laboratório, quase metade das larvas de borboleta-monarca utilizadas numa experiência cientifica, revela uma equipa de cientistas dos Estados Unidos, num artigo que hoje publica na revista "Nature".O milho transgénico em questão, muito vendido nos EUA e que foi desenvolvido pela empresa de biotecnologia Novartis, é conhecido como milho Bt, por incorporar genes da bactéria "Bacillus thuringiensis" (Bt). Este milho é particularmente resistente a uma praga - a broca do milho, altamente devoradora da planta e difícil de controlar com pesticidas. Na verdade, este milho transgénico é tóxico para a broca do milho, mas seguro para consumo dos seres humanos, garantem os autores do artigo na "Nature", assinado em primeiro lugar por John Losey, do Departamento de Entomologia da Universidade de Cornell, em Ithaca, nos EUA. "A toxina produzida pela planta do milho não afecta os seres humanos ou outros vertebrados. A toxina é especialmente eficaz contra insectos da ordem dos lepidoptera (borboletas e borboletas nocturnas)", disse ao PÚBLICO John Losey.A vantagem do milho Bt é que, ao contrário dos pesticidas, não mata as espécies às quais não se destina - como as abelhas, que são polinizadoras, ou eventuais predadores de pragas, como as joaninhas. Só que, como o pólen deste milho transgénico contém uma toxina produzida por genes da bactéria, os cientistas quiseram ver se tinha algum efeito nas borboletas-monarca ("Danaus plexippus"). O pólen do milho é transportado pelo vento a pelo menos 60 metros da planta - razão por que pode depositar-se noutras plantas perto dos campos de milho e acabar no estômago de outros organismos. As borboletas-monarca são um desses organismos. Alcançando uma envergadura de 9,5 centímetros, esta borboleta alimenta-se do néctar de pequenas flores. As suas lagartas, de listas amarelas e pretas, alimentam-se exclusivamente de uma planta tóxica - a asclépia ou "Asclepias curassavica" -, porque lhe confere protecção contra certos predadores. De facto, ao incorporar nos tecidos as toxinas da planta, as lagartas adquirem um sabor desagradável para os predadores. A borboleta-monarca - a que os norte-americanos têm dedicado inúmeros documentários e até as vendem na Internet a 90 dólares a dúzia (cerca de 17 contos), para casamentos e ocasiões especiais - passa o Inverno no México. Na Primavera, inicia a migração para norte. A primeira geração de borboletas do ano atravessa os estados do Texas e da Florida à procura da asclépia, onde deposita os ovos e se alimenta, explica um comunicado de imprensa da Universidade de Cornell. No final de Maio ou início de Junho, surge a segunda geração de adultos, que continua a caminhada para norte, incluindo a chamada Cintura de Milho do Midwest, uma zona dos Estados Unidos onde se produz milho em grandes quantidades. Metade das populações de Verão das borboletas-monarca chega a concentrar-se ali. Ora, as lagartas estão a alimentar-se das folhas da asclépia precisamente no momento em que andam no ar grãos de pólen de milho, entre o final de Junho e meados de Agosto. Depois de quatro dias a alimentar as larvas com folhas cheias de pólen de milho transgénico, os cientistas viram que a sobrevivência das larvas foi significativamente mais baixa que a das larvas que comeram folhas quer com pólen natural, quer sem pólen. Se no primeiro caso sobreviveram 56 por cento das larvas, nos últimos dois casos a sobrevivência atingiu os 100 por cento. "Observámos que as larvas da borboleta-monarca que se desenvolveram nas folhas de asclépia com pólen de milho Bt comeram menos, cresceram mais lentamente e sofreram uma maior mortalidade que as larvas que se desenvolveram nas folhas com pólen de milho natural ou nas folhas sem pólen", escreve a equipa. "Porque não houve mortalidade nas folhas com pólen sem transformação, toda a mortalidade nas folhas com pólen de milho Bt parece dever-se aos efeitos da toxina Bt."Só no ano passado, os Estados Unidos cultivaram mais de 2,8 milhões de hectares de milho transgénico para controlar principalmente a broca do milho. Já aprovadas para testes nos Estados Unidos estão também pelo menos 18 tipos de milho com genes do "Bacillus thuringiensis". Por fim, o Departamento de Agricultura norte-americano também aprovou a comercialização de milho, batatas e algodão transgénicos já transformados. Por tudo isto, a equipa considera que os resultados da experiência poderão ter implicações profundas para a conservação da borboleta-monarca. "Atendendo ao facto de que a quantidade de milho plantada nos Estados Unidos deverá aumentar ao longo dos próximos anos, é imperativo reunir dados para avaliar os riscos associados a esta nova tecnologia agrícola e comparar esses riscos com os dos pesticidas e outras tácticas de controlo de pragas." Ao PÚBLICO John Losey comenta ainda: "A seguir são precisos dados de campo para determinar a extensão do risco para as populações de borboletas".Numa altura em que os produtos geneticamente modificados são alvo de viva polémica em todo o mundo, Pedro Fevereiro, bastonário da Ordem dos Biólogos, não encontra perigos para a saúde humana nos que já estão à venda. "É genuíno dizer-se que existem produtos alimentares que não estão rotulados e parte deles são produzidos com farinha de milho transgénico. É a única coisa que se pode dizer. Não se pode dizer que sejam nocivos para a saúde, porque não são. Nos alimentos testados e comercializados não existe perigo." Os eventuais perigos são ambientais, diz Pedro Fevereiro. As dúvidas do biólogo centram-se, assim, no impacte ambiental que uma espécie geneticamente modificada terá noutras na natureza, caso haja transferência de genes entre ambas. "O que pode dizer-se é que existem dúvidas relativamente ao impacte ambiental." Sendo assim, Pedro Fevereiro comenta a polémica. "Existem muitos interesses para além da saúde humana, nomeadamente económicos e políticos. O controlo da produção e do comércio de cereais é um problema fundamental de gestão e política mundial. Quando se mexe com plantas como o trigo e milho e se aumenta a produção em 20 ou 30 por cento, que permite vender mais barato, mexe-se com toda a estrutura social e política de todos os países do mundo."

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