O que Matosinhos perdeu

O Centro de Ciências e Tecnologias do Mar aparece aos olhos da opinião pública como "o aquário de Matosinhos". Foi secundarizada a componente científica. É a tese de uma arquitecta que participou no concurso para a elaboração do projecto deste grande empreendimento. Perdeu. Em declarações ao PÚBLICO, prefere fazer a "denúncia pública do Centro do Mar que o país perdeu"

Se há quem reclame a total clarificação de aspectos mais ou menos obscuros do processo do concurso público internacional para a elaboração do projecto do futuro Centro de Ciências e Tecnologias do Mar, em Matosinhos, também há quem defenda um maior esclarecimento público sobre a verdadeira importância de tal equipamento. Entendendo que "não é a discutir problemas de secretaria que se presta um serviço à arquitectura", Teresa Fonseca, um dos onze candidatos que participaram no concurso, considera que os seus argumentos são o seu projecto e que promover um amplo debate público sobre o conteúdo do programa do concurso é fundamental. Por isso, só vem a terreiro para honrar a disciplina. E também para fazer uma "denúncia pública do Centro do Mar que o país perdeu, sem que o público tivesse dado conta".Teresa Fonseca trabalhou durante dez anos numa tese de doutoramento sobre equipamentos de investigação. Foi a primeira doutorada da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde lecciona, e tem-se batido pela democratização do ensino e da prática da disciplina. "O meu grande combate é pela competência e pelo debate público", sublinha. Enquanto concorrente derrotada do concurso promovido pela autarquia de Matosinhos, não tem nenhuma crítica a fazer. Defende os processos do concurso e, sem qualquer amargura, não comenta os critérios aplicados para o escrutínio do vencedor. "Sempre defendi júris plurais, e, no caso, devo lealdade a este júri, que foi mais transparente do que é normal". Para Teresa, resta discutir a arquitectura. E, sobretudo, lançar o debate sobre o conteúdo programático do concurso - elaborado pela Fundação Gomes Teixeira -, que tinha "uma ambição para o século XXI".Aliás, Teresa Fonseca diz que só se interessou pelo concurso por causa da nobreza do seu programa. "Um grande complexo para o século XXI, sustentado em três vertentes: o edifício ecológico, o edifício económico e o edifício legal", explica. O que a levou a envolver-se no processo foi, precisamente, o peso atribuído ao currículo na ponderação do júri. "Eu ousei ir ao concurso porque me favoreciam os 30 por cento de currículo. Sou uma cientista, especialista em equipamentos de investigação, e constituí uma equipa de altíssimo gabarito", esclarece.No entanto, se esta arquitecta - que, na avaliação preliminar dos itens solução do projecto, enquadramento urbanístico e preço (com um peso de 70 por cento na decisão final), se classificou em segundo lugar - se sente recompensada pelo trabalho do júri, não deixa de reparar que "a avaliação curricular que foi feita deixou de ser de habilitações para passar a ser de idade, sexo e nacionalidade". É que, depois de tornada pública a classificação provisória, Teresa Fonseca ficou convencida de que ia vencer. "Vivi dez anos a lutar pela seriedade, e continuo a ver avaliações com base não documental", afirma. "O meu projecto foi defendido pelo trabalho efectivo de dez cientistas certificados internacionalmente. Não foi uma declaração de vínculo", acrescenta. Porém, esta verdadeira estrutura produtiva "não pontuou, contra outros nomes e outras virtudes". Surpreendentemente, Teresa fala sem azedumes. E, apesar do desfecho do processo, não deixa de se considerar a vencedora moral.Com grande entusiasmo, a arquitecta fala do programa do concurso - "Um novo conceito de cidade científica, onde impera a funcionalidade e a abertura da ciência ao público, em que o corpo residente da Universidade funcionava como o verdadeiro agente mobilizador". "A âncora deste projecto sempre foi a presença dos investigadores", observa. Uma massa crítica de cerca de 180 pessoas, que estudam e colaboram no apoio às empresas de pesca, aos agentes da indústria de transformação, aos estudiosos da biologia, e que manteriam o centro em permanente movimento. Não foi por acaso que só na segunda fase do projecto estava prevista a construção do aquário "A Cadeia da Vida", uma das peças do complexo. Contudo, todo o empreendimento já foi apreendido pela opinião pública como o "aquário de Matosinhos". Uma situação que Teresa Fonseca lamenta profundamente. "Este projecto não foi concebido para ser um aquário para bilhete, uma espécie de luna parque do mar e dos peixinhos", defende.A sua proposta foi organizada segundo núcleos de investigação, administração, prestação de serviços e ainda espaços de lazer público. Distribui-se por três grandes edifícios e outros três corpos, de menor dimensão, e, do conjunto, ressalta uma enorme praça pública, de mais de uma centena de metros de comprimento (ver maqueta). Esta arquitecta optou por não enterrar nada, a não ser o estacionamento. Dado o faseamento previsto no concurso, Teresa apostou no tratamento do edifício já existente da Real Vinícola, cujo verdadeiro valor, segundo os seus estudos, reside no interior. A ideia foi revelar a grande unidade do espaço interior e a sua estrutura metálica original. Uma porta monumental sob o torreão central dá acesso à praça. No topo, o velho telhado dá lugar a uma nova estrutura. É neste corpo que se instalam os primeiros serviços do Centro, com destaque para a aquacultura, biotecnologia, robótica submarina e investigação dos oceanos.Um segundo edifício de quatro pisos, composto por dois corpos, forma a nova frente da Avenida Menéres. Um desses corpos, elevado 30 metros, é uma contingência da instalação de uma estação de detecção remota, que só com as dimensões previstas pode garantir o seu perfeito funcionamento. O último edifício a construir seria o aquário público: um paralelepípedo rectangular, com uma fachada modulada composta por painéis de aço e vidro. De acordo com os seus cálculos, um investimento de 2,5 milhões de contos seria suficiente para pôr o Centro do Mar a funcionar. A construção do aquário (orçado noutros 2,5 milhões de contos) teria a sua oportunidade "dependente da dinâmica do núcleo de arranque [a actividade da Universidade do Porto] e da presença diária de população constituída por quadros científicos e estudantes, bem como da exigência das empresas dos sectores de pesca e exploração de recursos marinhos".

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