Uma nova geração de cientistas

É natural de Viana do Castelo, tem 31 anos, investiga nos Estados Unidos, acaba de ganhar o maior prémio científico português. Cientista no campo da genética, Jorge Guimarães criou um novo método de isolamento de genes, identificou quatro, dois deles potencialmente importantes no combate à sida ou no tratamento do cancro. "É um prémio para a minha geração", diz este optimista, para quem Portugal começa a ter condições de trabalho. "Regressarei, pois o país estará, dentro de dez anos, ao nível do que melhor se faz no mundo".

Um trabalho na área da genética, de Manuel Jorge Vaz da Cunha Guimarães, ganhou a edição de 1998 do Grande Prémio Bial de Medicina, que será hoje entregue em cerimónia oficial, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa."Descoberta de novos genes e metabolismos hematopoiéticos: uma nova abordagem ao estudo da hematopoiese" é o título deste trabalho escrito, apresentado pelo investigador Manuel Guimarães, doutorado em Medicina pela Faculdade de Medicina do Porto e com um pós-doutoramento em Terapêutica Genética, pela Stanford University School of Medicine, dos Estados Unidos, onde trabalha actualmente.Existindo desde 1992, o Grande Prémio Bial de Medicina é o maior em termos pecuniários em Portugal, 15 mil contos, no campo das Artes, Ciências e Letras, sendo um dos maiores na área da Saúde em toda a Europa.Mas em que consiste o trabalho vencedor? "Trata-se da descoberta de quatro novos genes, que estão envolvidos no processo de formação das células do sangue", explica ao PÚBLICO o investigador, numa conversa telefónica a partir de Viana do Castelo, onde nasceu há 31 anos. "Neste trabalho descreve-se uma nova metodologia em biologia molecular para a clonagem de genes envolvidos nesse processo, exemplificando-se depois com quatro casos novos", acrescenta. Dos quatro genes descobertos, um deles "expôs um novo metabolismo - o do aminoácido selenocisteina - que é um componente das celenoproteínas", refere o investigador. "As celenoproteínas parecem ser importantes para o desenvolvimento e/ou sobrevivência dos linfócitos, células brancas do sangue que combatem as infecções, nomeadamente a sida. Combatem e são vítimas".Outro dos genes clonados é uma espécie de "bomba" para o transporte de nucleobases, que são componentes elementares dos ácidos nucleicos, nomeadamente o ADN. "Controlar o aporte de nucleobases à célula, modulando a actividade desta proteína poderá ser um aspecto muito importante no combate ao cancro, nomeadamente as leucemias e os linfomas", sublinha Jorge Guimarães.E há patentes para os quatro genes descobertos? "Claro que sim. Já há uma patente atribuída para um deles, uma outra está em fase de registo. Vão para a Schering, a multinacional farmacêutica que me acolheu, nas suas instalações nos Estados Unidos. São essas as regras", responde o investigador.Quanto às aplicações práticas do seu trabalho, "é preciso fomentar mais a investigação básica. Enquanto não tivermos meios eficazes de terapêutica genética, não podemos corrigir defeitos genéticos", explica. "O conhecimento, só por si, do gene, não implica que ele seja directamente aplicável à clínica".E calcula-se qual será o tempo que mediará entre a descoberta destes novos genes e a aplicação prática? "Tudo vai depender do ritmo da melhoria das técnicas de terapêutica genética", responde Jorge Guimarães. É que já há exemplos de doenças, que são devidas a um único gene defeituoso, em que se procura corrigir esse defeito, mas "até hoje, não há um único caso clínico demonstrado de um doente cuja sobrevivência se deva à terapêutica genética".E neste momento, Portugal tem a capacidade técnica e humana de aplicação da sua metodologia? "Tem", afiança Manuel Guimarães, que pensa voltar ao país dentro de cinco ou seis anos, para se dedicar à oncologia. E o prémio Bial, que importância lhe atribui? "Falo com toda a sinceridade, ele não é para mim, mas para toda uma geração de investigadores formados pela GNICT (hoje Fundação para a Ciência e Tecnologia), a quem foram dadas condições de colocação no estrangeiro, para investigação", afirma Jorge Guimarães. "Portugal estará, dentro de uma década, ao nível do que melhor se faz a nível mundial em investigação pura, o prémio é um sinal disso mesmo", afiança este cientista, que pensa guardar os 15 mil contos, "para a ajuda na compra de uma casa, quando regressar".Com duas filhas, Jorge é casado com uma cantora lírica, Cristina Pamplona Guimarães, que acaba de fazer um mestrado de canto em São Francisco e procura colocação. "Quando estou chateado, ela canta... e depois eu fujo", conclui rindo o jovem investigador português.Mais antigo, existindo desde 1984, bianual e pioneiro nas iniciativas da empresa farmacêutica portuguesa com sede no Porto, no apoio à investigação médica, é o Prémio Bial de Medicina Clínica, a que são atribuídos 5 mil contos. O júri decidiu premiar nesta edição o trabalho "Doenças do comportamento alimentar: Manual para o clínico geral", de Isabel do Carmo, assistente hospitalar graduada no hospital de Santa Maria e Assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa; Daniel Sampaio, chefe de serviço titulado do hospital de Santa Maria e professor agregado da Faculdade de Medicina de Lisboa; Dulce Bouça e Zulmira Jorge, ambas assistentes hospitalares eventuais do mesmo hospital (ver texto nesta página).Enquanto o Grande Prémio Bial de Medicina, de âmbito mais vasto, visa galardoar um tema livre que se distinga pela sua relevância científica ou por representar um trabalho de investigação de grande relevo, o Prémio Bial de Medicina Clínica tem por objectivo galardoar um tema, igualmente livre, dirigido à prática da clínica geral. Para além do Grande Prémio de Medicina e do Prémio de Medicina Clínica, o júri dos prémios Bial distinguiu os seguintes trabalhos com menções honrosas: "Ducto Venoso: uma veia diferente? Fisiopatologia do retorno venoso no diagnóstico da insuficiência cardíaca fetal" (Alexandra Coelho de Macedo, Luís Pereira Leite, José Carlos Areias e Nuno Aires Montenegro); "Prevenção do carcinoma do cólon e recto na era da medicina molecular" (Marília Lopes Cravo, Paulo Oliveira Fidalgo, Anabela Grancho Pinto, Carlos Nobre Leitão); "O problema clínico da somatização: conceitos, avaliação e tratamento" (Manuel João Quartilho); "Criança maltratada. O papel de uma pessoa de referência na sua recuperação. Estudo prospectivo de 5 anos" (de Jeni Matias Gonçalves, ver texto na página seguinte). O prémio pecuniário para cada menção honrosa é de 500 contos. A Bial assegura a edição do Prémio de Medicina Clínica e, eventualmente, de algumas outras obras premiadas, numa tiragem de 10 mil exemplares, destinados a serem distribuídos gratuitamente à classe médica. À edição deste ano dos prémio Bial concorreram 39 trabalhos, que foram avaliados por um júri presidido pelo professor Carlos Ribeiro e que incluiu, entre outros, os professores Rui Penha e Nuno Grande. Qualquer cidadão pode concorrer a esta iniciativa, desde que pelo menos um dos autores seja médico nacional de um país de expressão oficial portuguesa.

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