Torne-se perito

Mais "danos colaterais"

A NATO não queria mas atingiu um comboio onde viajavam civis: nove mortos e 16 feridos. A NATO só queira destruir uma unidade de fabrico de armas mas para isso teve que bombardear um complexo fabril que empregava 38 mil pessoas e "matou" o "Yugo". No Kosovo a fome está prestes a empurrar para os países vizinhos aqueles que ainda insistem em não fazer a vontade a Milosevic. São os "danos colaterais" da guerra.

A NATO admitiu ontem ter bombardeado uma ponte ferroviária em Gredelicka, a sul de Belgrado, "onde se encontrava na proximidade" um comboio que os aviões da Aliança não tinham "a intenção de atingir". Mas atingiram, e segundo Zivojin Stefanovic, responsável municipal de Gredlica, uma localidade vizinha, as bombas provocaram nove mortos e 16 feridos. "Esta ponte era uma peça importante das linhas de fornecimento das forças de segurança e militares da Jugoslávia no Kosovo", afirmou a NATO num comunicado. "Infelizmente não podemos excluir a possibilidade que tenham existido vítimas", acrescentou. É a terceira vez que a NATO reconhece ter provocado involuntariamente a morte de civis - os chamados "danos colaterais". No dia 6 deste mês, as forças aliadas reconheceram que uma bomba tinha caído numa zona residencial em Aleksinak, a sul de Belgrado. Três dias mais tarde, a Aliança admitiu ter atingido casas em redor de uma central telefónica em Pristina. Agora numa base de "24 horas sobre 24 horas", as bombas da NATO continuam a cair sobre a Jugoslávia. Na noite de domingo para ontem foram efectuados uma série de raides contra objectivos militares na Sérvia e n Kosovo "com êxito", apesar do mau tempo que continua a impedir certo tipo de missões mas que não impediu os aviões britânicos Harrier de voarem, pela primeira vez, entre as nuvens e lançarem bombas de fragmentação contra veículos militares, uma bateria de mísseis antiaérea e um depósito de combustível no Kosovo. Entre os principais alvos atingidos no 20º dia de bombardeamentos, a NATO confirmou ter atingido uma refinaria de petróleo em Pancevo, nos arredores de Belgrado, acrescentando que este alvo já tinha estado na mira dos aviões aliados por diversas vezes, desde que a campanha aérea começou no dia 24 de Março. Também atingida foi a fábrica de Zastva, que entre outras coisas, produzia os carros "Yugo" e que era o maior empregador da Sérvia, com 38 mil pessoas a trabalhar numa complexo industrial de 305 hectares. Zastva, que nos primeiros dias dos ataques aéros foi protegido por um escudo humano formado pelos seus trabalhadores, estava na lista de alvos da NATO por causa de uma unidade de produção de armas. O morte do "Yugo" - que estava já moribundo - foi mais um "efeito colateral".O governo de Tirana pediu ontem às forças da NATO para bombardearem as posições da artilharia sérvia instaladas no Kosovo perto da fronteira com a Albânia, onde nos últimos dias se tem verificado uma intensa troca de tiros de artilharia pesada entre os separatistas albaneses do Exército de Libertação do Kosovo (UÇK) e as forças jugoslavas.Segundo o vice-ministro albanês dos Negócios Estrangeiros, Pellumb Xhufi, nos últimos dois dias, os tiros do Exército jugoslavo já fizerem três mortos civis e pelo menos 24 feridos, incluindo guardas-fronteiriços albaneses e três soldados do UÇK. Por seu lado a agência oficial sérvia Tanjug noticiou que pelo menos 150 "terroristas" do UÇK foram "liquidados" pelo exército jugoslavo junto à fronteira com a Albânia. A agência denunciou uma tentativa de incursão no Kosovo de "várias centenas" de separatistas kosovares que se encontravam entrincheirados na Albânia.Acusando a Jugoslávia de estar a tentar alastrar o conflito do Kosovo para a Albânia, o ministro do Interior de Tirana, Petro Koci, apelou à acção da NATO porque "apesar das tensões [na fronteira] nem o exército albanês, nem a polícia querem responder a estas provocações sérvias para não envolverem o nosso país num novo conflito".Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), dentro do Kosovo os albaneses continuam a ser vítimas da violência das forças militares e paramilitares sérvias. "Os grupos de refugiados que chegaram no sábado contaram histórias muito alarmantes sobre a continuação de acções violentas e sobre o aumento da expulsão das pessoas dentro do Kosovo", disse uma porta-voz do ACNUR, Paula Ghedeni.Apanhados entre as operações de limpeza étnica, as bombas da NATO e os confrontos entre as forças jugoslavas e os guerrilheiros do UÇK, os albaneses que ainda se encontram dentro do Kosovo não têm a "regalia" de poderem receber a assistência humanitária que está a ser dada aos que fugiram para os países vizinhos. Os testemunhos de refugiados que chegaram recentemente à Albânia e as estimativas das organizações de auxílio apontam para o pior."A situação alimentar é muito, muito difícil para as pessoas que se refugiaram nas zonas controladas pelo UÇK, que foram na sua grande maioria fortemente atacadas ao longo dos últimos meses e já não dispõem de 'stocks' alimentares", disse Cyril Ferrand, da "Acção Contra a Fome", uma ONG que está a trabalhar na Macedónia. No Verão passado, por entre combates entre as forças sérvias e o UÇK, poucos foram os agricultores que conseguiram fazer as suas colheitas, e os que as fizeram acabaram por ver os seus aprovisionamentos destruídos ou roubados. Alguns conseguiram esconder alimentos, em "grutas", nas "montanhas". As lojas estão fechadas, destruídas, pilhadas ou, sendo de proprietários sérvios, "não vendem a albaneses"."Uma verdadeira penúria alimentar vai assolar várias regiões do Kosovo, incluindo Pristina, nos próximos dias", alertou Ferrand. A secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, já responsabilizou directamente as autoridades sérvias pelo futuro de cerca de 700 mil albeneses do Kosovo deslocados no interior da província que estão ameaçados de fome. Pouco depois das 20h30 (hora local), as sirenes anti-aéreas começaram a soar em Belgrado.

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