Um festival a semear o futuro

O I Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Famalicão está a conquistar o público local, desde as crianças das escolas aos espectadores que têm quase lotado o auditório da Fundação Cupertino de Miranda, nas sessões nocturnas. Paralelamente a esta aposta nos espectadores famalicenses, Lauro António destaca a importância da secção temática competitiva, sobre as relações do cinema com a literatura. E a câmara quer que o festival tenha futuro.

Sónia Braga não estará, afinal, em pessoa, amanhã, na sessão de encerramento do I Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Famalicão (FamaFest'99), mas os espectadores do certame puderam vê-la no grande ecrã, quarta-feira à noite, no filme "Tieta do Agreste", do cineasta brasileiro Carlos Diegues.Não tendo chegado a bom termo as negociações da organização do festival para fazer deslocar-se até nós a popular intérprete de "Gabriela, Cravo e Canela" - uma aposta numa maior mediatização do FamaFest que fica, assim, adiada para as próximas edições -, a actriz esteve no entanto presente, com toda a exuberância dos seus recursos físicos e histriónicos, no filme em que Carlos Diegues adaptou ao ecrã, em 1996, o famoso romance de Jorge Amado, e que os portugueses já conhecem da telenovela.A popularização da obra de Jorge Amado pelas produções da Rede Globo terá ajudado a mobilizar o interesse dos famalicenses pelo filme "Tieta do Agreste", que praticamente esgotaram o auditório da Fundação Cupertino de Miranda, muitos certamente à espera de compararem o desempenho de Sónia Braga com o de Betty Faria, na telenovela. E muita gente se manifestou agradada com o humor e o erotismo popular que transborda do trabalho de Diegues, e que o próprio romancista cauciona fazendo a introdução ao filme.Mas não foi só a actriz Sónia Braga a despertar o interesse dos famalicenses pelo seu primeiro festival de cinema. É que entre as sessões para as escolas, às manhãs (ver texto abaixo), e as da noite, a principal sala do FamaFest tem contado sempre com lotações proximas do limite dos seus 200 lugares. Em contrapartida, as sessões em vídeo que decorrem na Biblioteca Camilo Castelo Branco têm chamado muito pouca gente para além do júri que decidirá os prémios. O director do festival, Lauro António, explica o facto pelo carácter documental - e pela falta de legendas - da maiorias das obras que aí são exibidas. Mas assume o risco inerente a uma programação que aposta, ao mesmo tempo, na criação de um secção competitiva temática - as relações do Cinema com a Literatura, onde este ano pontificam principalmente os trabalhos documentais de teor biográfico - com mostras de clássicos e de ciclos dedicados ao (grande) público local. "Não quero fazer festivais-fantasmas, afastados da atenção ao público dos locais onde se realizam", explica ao PÚBLICO Lauro António, que é igualmente responsável por dois outros "festivais internacionais" de implantação regional: o de Seia e o de Viana do Castelo.Confrontado com o facto de parte das sessões do FamaFest serem apresentadas em vídeo, o director assinala a melhoria crescente das condições técnicas de projecção videográfica e defende que com este processo se "substituem as reposições" que antigamente se faziam dos clássicos, e que agora já não estão disponíveis em película. Quanto à programação deste ano, Lauro António diz que gostaria de ter "mais filmes portugueses a concurso", mas destaca a qualidade das quatro dezenas de obras participantes nas três secções competitivas do festival, em particular no sector do documentário.Também a escritora Teolinda Gersão, membro do júri principal do I FamaFest, realçou, em conversa com o PÚBLICO, a forte presença de biografias e de filmes que tomam por base romances históricos. E acrescenta que talvez esta seja uma reacção "à massificação do mundo contemporâneo". "Mas é também uma reflexão sobre o passado a partir de conhecimentos novos", acrescenta a autora de "O Silêncio".Sobre a atenção que o cinema periodicamente manifesta pela literatura, Teolinda Gersão vê nela uma coisa natural, e uma forma suplementar de divulgação da arte da escrita. Mas lembra a evidência de que a visão de um filme não substuitui nunca a leitura do romance. E acrescenta que, apesar de o cinema ser "a arte que tem o maior poder de comunicação com o grande público", a literatura tem sempre uma vantagem sobre ele; e ainda que, "ao contrário do que acontece com um filme mediano, um livro mediano deixa-nos sempre marcas mais duradouras na nossa mente".O FamaFest, que amanhã dá a conhecer os premiados e domingo fecha o seu programa, prepara entretanto já a edição do próximo ano. Artur Sá da Costa, da Divisão de Cultura da Câmara de Famalicão - entidade organizadora do festival -, diz que esta primeira edição "está a fazer a sementeira" para o futuro. E a edição do ano 2000 já está, inclusivamente, em andamento. Para ela, Lauro António manifestou já o desejo de dedicar atenção às adaptações cinematográficas da obra de Camilo, nomeadamente exibindo as três versões do "Amor de Perdição". Ainda para a edição do próximo ano, o director do festival planeia também realizar ele mesmo um documentário sobre quatro escritores ilustres - Camilo, Eça, Régio e Brandão -, cujas biografias estão ligadas ao vale do Ave, uma região que classifica como "um autêntico reduto literário".Paralelamente à realização do I FamaFest, a Câmara de Famalicão iniciou a construção de um novo Auditório Municipal, que será dotado de três salas - com cerca de 500, 200 e 100 lugares cada - e que a partir da edição de 2001 poderá acolher as sessões do certame. Nesse ano, os responsáveis esperam que ele esteja já a caminho da consolidação definitiva na agenda dos acontecimentos cinematográficos do país.

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