Edifícios que nunca morreram

O maior arquitecto da Finlândia nasceu há 101 anos e o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, recebe agora uma das exposições itinerantes que comemoraram o centenário do seu nascimento, em 1898. É uma exposição ambiciosa, montada em torno de sete edifícios extraordinários que mostram como Alvar Aalto se tornou num mestre da arquitectura mundial.

Alvar Aalto tinha 23 anos quando escreveu: "Nada do que é velho renascerá, mas também não vai desaparecer completamente. E o que um dia existiu voltará sempre sob uma forma nova. Penso que neste momento estamos a lutar para atingir a totalidade". No início dos anos 20, o jovem Alvar não podia antecipar ainda o seu percurso, nem o sucesso que iria alcançar numa carreira profissional que arrancou no classicismo (edifício em Seinäjoki, 1924-1925), o conduziu a ensaiar linhas funcionais (Cooperativa Agrícola e Teatro, Turku, 1927), até à explosão de um estilo genuíno, coroado com o Finlândia Hall (Helsínquia, 1962-1975). Também não sabia como mais tarde as suas palavras se adequariam perfeitamente à totalidade da sua obra e como esta iria influenciar ciclos de novos autores, sob fórmulas renovadas - a arquitectura portuguesa, principalmente a do norte, com Fernando Távora ou Siza Vieira, é disso exemplo. O trabalho de Aalto é daquelas fontes inesgotáveis que atravessaram o século XX. Não por os seus edifícios se recusarem a envelhecer mas porque nunca morreram e continuam a ser habitados. Uma das virtudes de "Alvar Aalto em sete edifícios", que se apresenta no Centro Cultural de Belém, é tentar provar isso. Fá-lo através da evocação de sete peças emblemáticas: o Sanatório de Paimio (1929-1933); a Biblioteca de Viipuri (actualmente em território russo, 1927-1935); a Vila Mairea (1938-1939); a Câmara Municipal de Säynätsalo (1949-1952); o Instituto de Nacional de Pensões (Helsínquia, 1948-1956); o edifício de escritórios Rautatalo (Helsínquia, 1951-1957); e a Igreja de Vuoksenniska (1955-1958). Deixa igualmente perceber o poder do desenho em Aalto, que se activou à medida que o arquitecto se distanciou do Movimento Moderno e adquiriu expressão própria. "Desenho directamente por instinto... por vezes composições quase infantis; deste modo nasce gradualmente uma ideia fundamental de uma base abstracta, um tipo de substância geral que ajude a harmonizar os inúmeros problemas em conflito", afirmou em 1948."Alvar Aalto em sete edifícios" não se contenta em ser uma mostra meramente documental, apesar de também utilizar desenhos originais, maquetas aéreas, fotografias a preto e branco (de arquivo) e a cores (actuais) e revistas contemporâneas da construção de cada projecto. Procura fazer sentir que o espaço não é uma entidade abstracta e tem forma, mediante a montagem de maquetas que reproduzem cortes dos edifícios e intensificam a leitura do interior. Com a representação tridimensional de parte da biblioteca de Viipuri o objectivo é parcialmente conseguido: a fantástica escadaria da sala de leitura ou o tecto ondulante do auditório criam um vazio, uma massa de espaço que apetece tocar.O mesmo artifício é usado, com menos sucesso, para a percepção da luz, recordando uma máxima de Aalto: "O olho é só uma pequena parte do corpo humano, mas é a parte mais sensível e talvez a mais importante" (1940). A intensidade luminosa e a resposta do olho à luz são algumas das preocupações por si manifestadas e que se transformaram na matéria prima do arquitecto. A maqueta do pátio central do edifício de Rautatalo, com os lanternins superiores que controlam a luminosidade, surge como um dos modelos que Aalto mais testou.A exposição convida o visitante a participar, a sentir a diferença táctil entre as superfícies, os veios das diversas madeiras, o calor do tijolo ou o frio do azulejo e outros materiais cerâmicos. Pena é que não se possa experimentar o mobiliário, espreguiçar na cadeira desenhada para o sanatório de Paimio, empilhar os bancos da biblioteca de Viipuri, empurrar o carrinho de chá, libertar a imaginação e descansar na borda da piscina da Vila Mairea ou junto à lareira cujos esquissos também se podem observar nas vitrines da exposição. O mobiliário é aliás um dos temas indispensáveis quando se fala na arquitectura de Aalto. Nunca foi seu propósito ser designer, apenas completar o espaço através de peças projectadas especialmente para isso: "O meu mobiliário poucas vezes, se é que alguma, teve origem como um produto de design isolado. Tem sido criado, quase sem excepção, como parte de um todo arquitectónico". Assim, não há exposição sobre Aalto que não inclua as famosas cadeiras, bancos, mesas e candeeiros que produziu continuamente depois do sanatório de Paimio e que lhe permitiram descobrir as potencialidades da madeira. Compreendeu, então, a dimensão humana desta matéria prima, abundante nas terras nórdicas, em oposição à "frieza" do metal que ainda tentou utilizar, mas que rapidamente abandonou. Terminada a parte didáctica de "Alvar Aalto em sete edifícios" é-se conduzido para uma antecâmara, forrada com frases proferidas pelo arquitecto e com vitrines que guardam objectos pessoais, fotografias, réguas e esquadros. Ouvem-se vozes do vídeo na sala ao lado, onde se transmitem depoimentos, como o do crítico de arquitectura Kenneth Frampton, e imagens de projectos seus que captam o carácter artificial da arquitectura, facto já notado por Aalto em 1925: "Uma paisagem natural, pura e original, com todos os seus poderes de encantamento, não pode substituir uma paisagem na qual é notada a marca da mão humana, se a 'marca humana' tiver sido adicionada como uma contribuição harmónica e enfática". Declarou-o como se profetizasse a sua obra futura, plena de harmonia como desejava. No fim da exposição, quando já nada se espera, os visitantes são confrontados com uma aproximação aos sete edifícios, cujos fragmentos são projectados em telas gigantes. Ao fundo, um filme ilustra cada projecto: pode-se subir pelo elevador panorâmico de Paimio que apenas comporta três pessoas por viagem (estava-se então no início desta tecnologia) e observar a neve que cobre a floresta envolvente ou entrar na biblioteca de Viipuri e sentir um espaço fervilhante de vida. Se não renascem os edifícios de Aalto é porque são eternamente jovens.

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