O Salgueiro Maia de Maria

Salgueiro Maia terá o rosto de um italiano e a voz de um português, no filme de Maria de Medeiros sobre os capitães de Abril. Stefano Accorsi é o jovem actor na pele desse "verdadeiro herói". O PÚBLICO falou com ele em Roma, na véspera da sua partida para Lisboa. A rodagem começa dia 22 deste mês. A equipa do filme apresentou ontem o projecto.

Apaixonado, Stefano Accorsi, o actor italiano protagonista do filme de Maria de Medeiros, "Capitães de Abril", construiu a personagem de Salgueiro Maia como um homem-soldado, "tímido, reservado, com sólidos princípios morais e um enorme respeito pela vida"."Salgueiro Maia é um verdadeiro herói. Um daqueles homens normais que arrisca a sua vida e a da sua família e que consegue mudar a sorte de um país", disse Stefano ao PÚBLICO poucos dias antes do início das filmagens em Lisboa.A escolha do intérprete do personagem Maia não foi fácil. Maria de Medeiros deparou-se com algumas dificuldades para encontrar a cara certa para o boneco. Até que depois de ter visto "Radiofreccia", um dos mais recentes filmes de Stefano, a realizadora se decidiu pelo actor italiano dada a sua semelhança física com o capitão de Abril. Stefano Accorsi, nascido em 1971, confessa que da Revolução dos Cravos nada sabia, mas depois de ter lido o guião - "belíssimo" - rendeu-se à história e nesta altura sente-se motivado para o papel. "Já li um livro sobre Salgueiro Maia, vi uma série de vídeos e inteirei-me das investigações que a Maria desenvolveu ao longo destes dez anos que o projecto já leva". Contactou com os companheiros de Salgueiro Maia, que hoje são coronéis, e encontrou "militares atípicos", pessoas "muito abertas, muito progressistas", mesmo comparando com o que se passa em Itália. "São pessoas que realizaram um sonho importante nas suas vidas, gente que, apesar de ter combatido na guerra, não perdeu de vista os valores que são importantes".Do contacto com os oficiais, Stefano ficou com a impressão de que os revolucionários de 74 são hoje "adultos maduros" conscientes de que "o ideal utópico de democracia" se dissolveu na "democracia possível". "Amadureceram", observa , "mas não notei propriamente um sentimento de desilusão".A situação portuguesa não difere, de resto, do contexto europeu onde domina a "democracia da imagem em que os políticos estão mais preocupados no marketing, em saber como se podem captar votos". É uma democracia um pouco dispersa e desligada da vida real", sublinha Stefano. Tudo isto a propósito do filme que, para além da memória histórica, transporta um discurso actual, pertinente, válido para a Europa porque se "trata da luta de um grupo de jovens por um ideal de liberdade". Eventualmente os métodos para prosseguir esta luta poderão estar ultrapassados. "A luta política trava-se hoje mais ao nível das relações, dentro do circulo de amigos onde nos movemos e já não tanto contra os grandes sistemas", esclarece.O desempenho de papéis de jovens heróis revolucionários não é inédito no percurso de Stefano Accorsi nas telas de cinema. A sua carreira já tocou por diversas vezes em personagens de igual recorte ao do capitão Maia. Em "Picolli Maestri" - filme realizado o ano passado por Daniele Luchetti - Stefano integrava um grupo de jovens universitários italianos que em Setembro de 43, em plena II Guerra Mundial, abandonava a vida para se juntar aos Partizans e lutar contra os alemães - também aqui a luta se travava em nome da liberdade e da democracia. A mensagem é, em substância, semelhante nos dois filmes. Em "Capitães de Abril", porém, a história compreende uma época muito mais recente . "Não foi há cinquenta anos, como em Itália, mas apenas há 25, que em Portugal havia guerra colonial, existia uma fortíssima repressão das liberdades, mas em que também havia grupos de jovens dispostos a arriscar tudo para mudar as coisas", o "estado a que isto chegou", como diz o personagem de Stefano a certa altura dos acontecimentos.O actor chegou ontem a tarde a Lisboa para começar as filmagens que decorrerão nos lugares mais carismáticos do 25 de Abril - Rua do Arsenal, Largo do Carmo e um pouco por toda a Baixa da capital portuguesa. Sente um grande empenho neste filme e uma grande vontade da equipa em participar no projecto. "Para mim", diz, "é uma grande responsabilidade desempenhar o papel deste herói. Estou um bocado com medo", admite.No elenco dos actores portugueses, constam os nomes de Luís Miguel Cintra, Rui de Carvalho, João Perry, Joaquim de Almeida, São José Lapa, Pedro Hestnes, Ricardo Pais e Herman José, que participam, com outros actores europeus em co-produção entre Portugal, Espanha, França e Itália, país onde, por coincidência, o dia 25 de Abril, de 43, significa tambem o dia da libertação do fascismo.

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