Originais e clássicos

Prossegue o ciclo de reedições da série Originals Jazz Classics (OJC), em versão 20 bits remasterizada e formato digipack. Às primeiras vinte referências (ver Sons de 9 e 16 de Outubro de 1998), juntaram-se agora mais dez, cuja valia confirma a excepcional qualidade dos catálogos históricos hoje reunidos na Fantasy (Riverside, Prestige, Contemporary, Pablo, Galaxy, Debut ou a própria Fantasy). Da maioria dos títulos já reeditados pode dizer-se que ou são indispensáveis ou andam lá perto.

Cannonball AdderleyNippon SoulOJC/Riverside 435; 56' 07"; 1963; distri. Dargil "Nippon Soul" preserva um concerto em Tóquio, em Julho de 1963, de um sexteto, com Joe Zawinul e Yusef Lateef, cuja crescente popularidade não degradou a sua habitual solidez. Símbolo de um jazz funky & soul que abriu portas a aventuras comerciais de terceiros que abastardaram o seu espírito, o certo é que o próprio Cannonball soube resistir quase sempre às sereias da facilidade mercantil, poucas vezes se deixando contagiar por forma a permitir a entrada na sua discografia de algumas derrapagens musicais. Mas a verdade é que "Nippon Soul " nada tem a ver com esses momentos. Directo e potente, o swing do sexteto ainda hoje é capaz de desassossegar os sentidos.Caravan OJC/Riverside 38; 52' 16"; 1962; distri. DargilCom a confirmação de Wayne Shorter, a chegada de Freddie Hubbard, Cedar Walton e Reggie Workman (para os lugares de Lee Morgan, Bobby Timmons e Jymie Merritt) e a adição de Curtis Fuller, que ampliou a banda à dimensão de sexteto, os Jazz Messengers de Art Blakey não perderam o pé à grande herança que já transportavam consigo. Pelo contrário, terão até alargado o seu capital.Gravado entre as sessões Blue Note de 1962 e 1964, consideradas por muitos seguidores dos Messengers como um dos seus períodos mais valiosos, "Caravan" não é um irmão menor. Aliás, a consistência do grupo ao longo de anos e anos só tem paralelo na ininterrupta "fabricação" (que é mais do que a simples revelação) de talentos que foi a história dos Jazz Messengers. Como de costume, o reportório equilibra-se entre standards (as baladas "Skylark" e "In the wee small hours of the morning"), clássicos do jazz ("Caravan") e originais de membros do grupo ("Sweet 'n' sour", uma valsa, e "This is for Albert", de Wayne Shorter, e uma composição explosiva de Freddie Hubbard, "Thermo").Kenny Burrell & John ColtraneOJC/Prestige 300; 37' 29"; 1958; distri. DargilKenny Burrell e John Coltrane já se tinham cruzado várias vezes nos estúdios da Prestige antes de partilharem a autoria de"Kenny Burrell & John Coltrane", um álbum construído no espírito das jam sessions, um processo muito usual na Prestige. Sessão sem golpe de asa mas que - pela clareza discursiva e o instinto bluesy de Burrell e pelo tenor-em-construção de Coltrane, além de um trio incapaz de mediocridades, Tommy Flanagan-Paul Chambers-Jimmy Cobb- só por precipitação se pode arrumar na prateleira das rotinas discográficas.Bye Bye Blackbird OJC/Pablo 681; 36' 44"; 1962; distri. Dargil Coltrane repete a entrada na lista com"Bye Bye Blackbird", concerto de 1962, quando o quarteto do saxofonista viajou pela Europa. Avaro no tempo, o compacto esgota-se em dois temas longos, "Bye bye blackbird" (uma peça herdada da passagem de Coltrane pelo quinteto de Miles Davis) e "Traneing in" (um original já anteriormente gravado na época Prestige), habitados por uma intensidade e febre emocionais bem ao jeito de Trane. Com o piano de McCoy Tyner hipnotizado pelos passos do tenor e a obstinação percussiva de Elvin Jones marcando o céu como limite, "Bye Bye Blackbird" testemunha a impossibilidade da indiferença face ao apostolado musical de Coltrane. Something ElseOJC/Contemporary 163; 42' 44"; 1958; distri. DargilPrimeiro disco de Ornette Coleman, "Something Else" é também uma das raras oportunidades de ouvir o saxofonista associado a um pianista (no caso o esquecido Walter Norris). Apesar das raízes boppers ainda bem visíveis, no início de 1958 no percurso musical de Ornette já estavam inscritas as coordenadas do seu próprio futuro: uma permanente proximidade do blues, a sonoridade cortante e vocal de um sax alto que privilegia como principal cúmplice instrumental das suas aventuras a trompete (Don Cherry), a importância das dinâmicas rítmica e percussiva na estruturação dos temas e uma singular alma melódica. O estatuto de Ornette como um dos maiores bluesmen do jazz e um dos seus grandes autores também despontava já em "Something Else!"Walkin'OJC/Prestige 213; 37' 48"; 1954; distri. Dargil A continuada celebração da excelência dos álbuns do quinteto de Miles Davis com Coltrane gravados para a Prestige tem, por vezes, o efeito perverso de lançar no esquecimento gravações anteriores igualmente merecedoras de um lugar entre os discos de cabeceira. Um desses títulos (quanto mais não fosse por "Walkin'" e "Blue 'n' boogie") é "Walkin'", nascido de duas sessões de Abril de 1954, com o trompetista liderando um quinteto com o sax alto David Schildkraut (um nome a pedir reavaliação) e um sexteto em que a linha dos sopros soma Miles, J. J. Johnson e Lucky Thompson. O trio, repetente, também vale ouro: Horace Silver, Percy Heath e Kenny Clarke. Além de confirmar a impressionante identidade do estilo de Miles, amadurecido durante o ciclo Prestige da sua discografia - a genialidade dos seus blues e das suas baladas sobrevivem incólumes à erosão do tempo -, "Walkin'" é, também, um eloquente testemunho da grandeza esquecida de Lucky Thompson e da inigualável mestria do trombone bopper de Jay Jay Johnson. Latin American Suite OJC/Fantasy 469; 37' 09"; 1968; distri. DargilQue mistério ou cegueira afastou, no seu tempo, a "Latin American Suite" da colecção das grandes suites de Duke Ellington? Desde as primeiras notas de "Oclupaca" o ouvido mergulha no coração da poética ellingtoniana. Uma viagem que prossegue sem quebras de encantamento pela sensualidade festiva de "Eque" e o sofisticado erotismo de "Tina", com o piano de Duke dançando em espaço aberto (uma constante ao longo da suite). Grandiosa, por vezes luxuriante, a escrita de Ellington aposta essencialmente na personalidade colectiva da orquestra, cujo protagonismo suplanta o das vozes solistas individuais, sublinhando a tradicional soberania da sua secção de saxofones e coloca na boca de cena da acção musical o piano do líder, normalmente remetido a funções de direcção na rectaguarda. Uma pérola ignorada do tesouro ellingtoniano.Everybody Digs Bill Evans OJC/Riverside 68; 48' 59"; 1958; distri. DargilToda e qualquer discoteca de jazz sem "Everybody Digs Bill Evans" é obrigatoriamente defeituosa. À custa de tantas vezes repetida (e também por ser verdade...) criou-se a ideia de que toda a história moderna do piano-jazz e do trio piano-contrabaixo-bateria passa pelas noites de Bill Evans, Scott LaFaro e Paul Motian no clube Village Vanguard em Junho de 1961. Mas muito do que Evans fez com esse trio já começara a nascer em formações anteriores, como a que gravou este fabuloso "Everybody Digs Bill Evans": Sam Jones e Philly Joe Jones. Se outros (muitos) méritos não morassem neste disco, bastaria a sua existência para desmentir, branco no preto, o alegado (ainda há quem assim pense) "défice de swing" de Bill Evans.Afro-Cuban Jazz Moods OJC/Pablo 447; 32' 13"; 1975; distri. Um encontro de Dizzy Gillespie com a orquestra de Machito supervisionado por Chico O'Farrill, arranjador e autor da música, "Afro-Cuban Jazz Moods" é, de todos os OJCs em revista, o único fora das listas de prioridades. Em termos de jazz afro-cubano, Dizzy tem melhor na sua discografia. E a escrita de O'Farrill para "Afro-Cuban Jazz Moods" nem sempre consegue evitar em "Oro, incienso y mirra", a peça mais ambiciosa, uma grandiloquência de peplum cinematográfico que lhe pesa demasiado. At The Bohemia OJC/Debut 45; 64' 37"; 1955; distri. Dargil Charles Mingus e "At The Bohemia" encerram este terceiro ciclo de reedições OJC. Saído do laboratório experimental do contrabaixista, o célebre Jazz Workshop, "At The Bohemia" anuncia as linhas de força que irão explodir nas primeira gravações Atlantic (oiçam-se as duas versões de "Jump Monk"), atirando Mingus para a linha da frente do jazz pós-bebop. Além do bónus de luxo que é o dueto de Mingus com Max Roach ("Percussion Discussion"), a noite do Café Bohemia foi vivida por um quinteto com Mal Waldron (pianista fiel dos primeiros tempos nova-iorquinos de Mingus), o trombonista bopper Eddie Bert e o baterista Willie Jones, um nome que, juntamente com o tenor George Barrow, a história acabaria por perder de vista. Igualmente reveladores das preocupações e métodos de trabalho de Mingus são "Septemberly" ("September in the rain" + "Tenderly") e "All the things you C-sharp" ("All the things you are" + "Prelude in C minor"), dois exemplos da técnica composicional de colagem-sobreposição-reinvenção que Mingus praticou assiduamente.Da riqueza da música e da carpintaria de alguns dos seus segredos falam utilmente as notas escritas para a edição original na Debut (a editora independente criada por Mingus e Max Roach para combater o "statu quo" da indústria discográfica da época) por um dos seus protagonistas, o pianista Mal Waldron.

Sugerir correcção