Reutilizar os esgotos em aquaculturas

Para os habitantes de Chelas e da Pedreira dos Húngaros, os melhores locais para viver na cidade de Lisboa são ... Chelas e Pedreira dos Húngaros. É o que se chama "vestir a camisola" do bairro, explicam os sociólogos do ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa) que ontem promoveram, em Lisboa, um seminário sobre Ambiente Urbano e Qualidade de Vida. Uma oportunidade para se dar exemplos de gestão sustentável das cidades que pode passar até pela criação de um aquacultura com as águas dos esgotos.Reduzir, reciclar e reutilizar, isto é, a política dos três "erres" é, para Rui Godinho, vereador do ambiente da Câmara de Lisboa, uma "das grandes prioridades". Por isso, as águas tratadas pelas três estações de tratamento de esgotos (ETAR) que serão instaladas em Lisboa podem ser reutilizadas para regar, limpar as ruas ou até para fazer criação de peixes ou marisco."A Câmara de Lisboa, em conjunto com o Oceanário, está a estudar a hipótese de se utilizar as águas da ETAR de Beirolas para fazer uma aquacultura", anunciou o vereador. Rui Godinho escusou-se a adiantar que espécies poderão ser criadas nesta hipotética exploração. As aquaculturas não são, no entanto, consensuais dada a carga orgânica que geram, o que pode entrar em rota de colisão com aquele que é o primeiro objectivo da política de ambiente da autarquia de Lisboa: a despoluição do estuário do Tejo.Teresa Craveiro, assessora da CML e responsável pelo Plano Integrado de Qualidade Ambiental em Lisboa, definiu, precisamente, que a limpeza das águas do rio como uma das principais prioridades. A devolução da zona ribeirinha à cidade é o outro dos objectivos, mas "é preciso cuidado porque não podemos passar de uma monofuncionalidade portuária para outra monofuncionalidade de bares e restaurantes", disse. Este Plano Integrado irá anteceder a elaboração da Agenda Local 21, um documento que nasce na Cimeira da Terra, que teve lugar no Rio de Janeiro em 1992, e que pretende servir de manual para a gestão sustentável das cidades. Lisboa só terá o seu no ano 2000, depois do Plano Integrado ser discutido pela população e avaliado por um conselho consultivo, que integrará organizações-não-governamentais e universidades. Uma das espinhas dorsais deste Plano Integrado é "a redescoberta da cidade", disse Teresa Craveiro. Isto é, "tem de se reabilitar os edifícios para colocar novos habitantes no centro da cidade", explicou, sublinhando que a fuga para a periferia é um sério problema da capital. O estudo sobre o modo de vida nos núcleos históricos (onde sobressaem novas preocupações sociais como a solidão dos idosos), a recuperação das azinhagas, a criação de percursos pelos geomonumentos, a identificação das zonas de risco de aluimento ou inundação e a mobilidade são alguns dos vectores do Plano.O incentivo à identidade dos bairros de Lisboa foi apontado como uma das apostas da autarquia. E, aparentemente, esta identidade surge particularmente reforçada nos bairros mais carentes. Um estudo feito pela equipa do Observa, um fórum que se dedica aos temas ligados ao ambiente, sociedade e opinião pública, indica que em Chelas e na Pedreira dos Húngaros, apesar dos seus inúmeros problemas, os habitantes "vestem a camisola" do bairro.Este estudo, de que ontem foram apresentados resultados apenas preliminares, incidiu sobre o que os habitantes da área metropolitana de Lisboa pensam sobre o que é e que o afecta o seu ambiente urbano. A equipa, liderada por Vítor Matias Ferreira, seleccionou sete áreas para representar diferentes realidades da metrópole.Barreiro, Pedreira dos Húngaros, Alverca, Cascais, Chelas, Almirante Reis e Lapa foram os casos escolhidos. Os primeiros resultados dos inquéritos feitos apresentam conclusões, às vezes, inesperadas. Quando se pergunta aos inquiridos se vêm o seu ambiente urbano de forma negativa ou positiva, verifica-se que, ao lado da Lapa e de Cascais, os habitantes da Pedreira dos Húngaros e de Chelas são optimistas. "Quererá isto dizer que as pessoas com menos recursos têm menor espírito crítico ou haverá nestas zonas uma forte identidade local?", questiona-se José Luís Casanova, um dos sociólogos responsável pelo estudo.Outra questão interessante é sobre a responsabilidade das instituições versus responsabilidade dos cidadãos. Assim, para os inquiridos que se situam politicamente à direita, os habitantes são culpados pela degradação do ambiente urbano enquanto que a esquerda aponta mais o dedo às câmaras municipais e ao ministério do Ambiente.A importância dada aos problemas de ambiente urbano variam também conforme o bairro. Assim, é na Pedreira dos Húngaros, na Almirante Reis e em Chelas que as pessoas se preocupam mais com as condições básicas de vida (desemprego, pobreza, falta de habitação e saneamento) enquanto que para as pessoas de Cascais ou Lapa, o mais importante são os dramas gerados pela organização do espaço (circulação, trânsito, falta de zonas verdes e de equipamentos).Um dado atravessa todo o estudo. O grande problema ambiental da metrópole de Lisboa é, sem dúvida, a mobilidade.

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