Há mar e mar, há ir e voltar

Depois de doze anos de Polygram e oito de BMG, Tozé Brito está de regresso à indústria musical com uma nova companhia nascida de um acordo recentemente firmado com a EMI-Valentim de Carvalho. O seu director-geral traçou ao PÚBLICO os objectivos da MAR, numa entrevista em que também foi abordada a sua saída da BMG.

Depois do nível de crescimento ímpar que em 1998 assolou a indústria musical portuguesa, a agitação no sector que se tem verificado no início deste ano promete fazer de 1999 o ano de todas as confirmações. Da fusão entre a Polygram e a Universal à reunião entre a União Lisboa e a Regiespectáculo, o Portugal musical acolhe de braços abertos os bons ventos que sopram em todas as direcções. É nesta leva de incremento e expansão que o mercado específico das editoras independentes passou a contar com um novo membro. Chama-se MAR - Música, Artistas e Repertórios -, resulta de um acordo recentemente firmado com a EMI-Valentim de Carvalho e tem ao seu leme uma figura de proa do universo musical português: Tozé Brito, o marinheiro incumbido de levar o seu novo barco a bom porto, deixa desde logo o aviso: "Que fique bem claro que a MAR não é uma editora. Chegou a pensar-se na criação de um selo que eu iria vender e distribuir, mas isso implicaria da minha parte um arranque com uma estrutura muito mais pesada. O que fundamentalmente me apetece fazer nesta primeira fase é voltar a ouvir música." E o caso não é para menos. Embora o percurso musical de Tozé Brito conte já cerca de 30 anos, os últimos 20 foram passados do lado das editoras. Primeiro na Polygram, onde desempenhou o cargo de vice-presidente durante 12 anos, depois na BMG, onde foi director-geral por mais oito: "Passei 80 por cento do tempo dos meus últimos cinco anos na BMG a lidar com números e com tarefas administrativas. Mas aquilo que realmente me dá prazer é aquele lado criativo de descobrir os artistas, escolher repertórios, ir para estúdio com eles..." Após a saída da BMG em Setembro de 1998, Tozé Brito viu-se confrontado com cinco propostas de diferentes companhias interessadas no seu concurso. "Uma prova de confiança que me tocou no fundo", e que culminou com a assinatura de um acordo com a EMI-Valentim de Carvalho. "Era a proposta que fazia mais sentido em função daquilo que eu gostaria de fazer. As restantes propostas obrigavam-me a um esquema de trabalho parecido com o que tinha na BMG, e esta permite-me ter a minha própria estrutura, uma maior liberdade de investir e desenvolver os projectos que me interessam de uma forma perfeitamente autónoma." Com o contrato, assinado por um mínimo de três anos, a MAR compromete-se a editar quatro álbuns a partir do ano 2000, aguardando-se para este ano de arranque a edição de três discos correspondentes a outros tantos artistas: são eles os D'Arrasar, "uma 'boys band' muito à semelhança dos Excesso", Lúcia Moniz, "que esteve recentemente nos Estados Unidos com o Nuno Bettencourt, que tudo indica vir a ser o produtor do disco", e uma outra aposta, "nada mainstream" e por ora guardada nos segredo dos deuses. "Vamos procurar não chocar muito com o catálogo da EMI, seguindo uma lógica de escolha de novos artistas em quem apostaremos fundamentalmente a médio prazo. O catálogo da MAR será exclusivamente português, embora não exclua a possibilidade de vir a trabalhar alguns catálogos estrangeiros." Outro dos pontos quentes que marcaram o passado recente da carreira de Tozé Brito refere-se à sua saída da BMG. Na origem do diferendo esteve um conjunto de condições impostas pela administração da companhia que o seu director-geral em Portugal se recusou aceitar. "Em Setembro de 1997, recebemos numa reunião em S. Salvador da Baía indicações precisas quanto aos objectivos da companhia que nos deixaram siderados: em 2001 teríamos de ser líderes de mercado. Tínhamos tido um ano fiscal muito bom a nível mundial, mas desde logo deixei claro que me parecia absolutamente irrealista pensar-se que poderíamos ser número um num espaço de tempo tão curto." A abertura da MCA em Portugal fez com que a BMG se visse privada do catálogo da MCA/Geffen, o que a juntar à recente perda do catálogo da Island para a Polygram determinou que a companhia caísse uma posição nas tabelas editoriais portuguesas, cifrando-se no quarto posto e numa quota de mercado na ordem dos 12 por cento. "Um número perfeitamente normal e até muito bom para o catálogo que detínhamos na altura", mas ainda assim insuficiente para responder às expectativas de uma direcção apostada em elevar o nome da companhia a um patamar considerado impossível.Tozé Brito lançou ainda a proposta de uma operação de aquisição ou da EMI-VC ou da Vidisco, capaz de colocar a BMG no topo das editoras portuguesas mas que a administração recusou com o argumento de que a liderança teria a todo o custo de passar pela aquisição de artistas nacionais. Lotarias como os Silence 4 "só saem uma vez numa vida" e os Madredeus, Pedro Abrunhosa, Dulce Pontes e os Excesso, os artistas extra-BMG que na altura mais vendiam, não eram sequer suficientes para se ser número um. Foi então proposto a Tozé Brito que renovasse o contrato por mais três anos, subindo para a posição de presidente e trazendo uma pessoa para director-geral da companhia, que ficaria incumbida de fazer aquilo que o próprio já se havia recusado fazer: despedir alguns dos quadros que faziam parte da sua equipa. "Respondi-lhes que não era nem a Rainha de Inglaterra nem o governo de Vichy durante a Segunda Grande Guerra. Eram pessoas que estavam a trabalhar comigo e em primeira instância era a mim que estavam a atacar. A partir daí não existiam condições para continuar na companhia. Estava perante factos onde não havia poder negocial nenhum. Acabei por sair da BMG sem me incompatibilizar com ninguém, mas com muita pena minha."

Sugerir correcção