O empresário do futuro

O mercado de jogadores portugueses provocou, nos últimos anos, o desenvolvimento da actividade empresarial e Portugal tem já 15 agentes devidamente credenciados pela FIFA. José Veiga e Luciano d' Onófrio controlam as principais transferências, designadamente as de somas mais avultadas. Mas Jorge Mendes está também a impor a sua aposta em jogadores dos escalões secundários, que depois promove juntos dos melhores clubes. Nos últimos dois anos, colocou quase uma dezena de futebolistas nos três "grandes" e oito dos jogadores do Salgueiros são por si representados.

O mercado de jogadores portugueses é dominado por uma mão cheia de empresários que controlam as principais transferências, designadamente as que envolvem somas mais avultadas. Entre eles destacam-se José Veiga, que mediou as vendas de Domingos, Figo, Fernando Couto e Dani; e Luciano d' Onófrio, ligado aos negócios de Vítor Baía, Rui Barros, Folha, De Wilde e Sérgio Conceição. Outros agentes com intervenções importantes no mercado português são Lucídio Ribeiro e Manuel Barbosa. Mas há um nome que começa a ganhar relevo: Jorge Mendes. Principalmente pelo arrojo da sua aposta em jogadores dos escalões secundários, que depois promove junto dos melhores clubes.Em menos de dois anos, Jorge Mendes colocou quase uma dezena de jogadores nos três "grandes". Capucho no FC Porto; Porfírio, Luís Carlos e Nandinho no Benfica; Leão, Renato e Damas no Sporting. Com excepção dos dois primeiros, os restantes ou estavam longe de serem futebolistas consagrados, ou eram apenas jovens prometedores. Hoje, o empresário, de 32 anos, assume ser o mercado de jogadores quase desconhecidos, mas de grande valor, a sua principal preocupação. E, na concretização desta estratégia, o Salgueiros está a ser o parceiro ideal: oito dos jogadores do plantel são representados por Jorge Mendes: Filipe Cândido, 18 anos, vindo do Setúbal; Carlos Pinto, 25 anos, ex-Paredes, da III Divisão; João Pedro, 23, ex-Ribeirão, da II B; Nélson, 22, ex-Esposende, da II B; Carlos Ferreira, 27, ex-Oriental, da II B; Schuster, 20, ex-Vila Real, da II B; Deco, 21, ex-Alverca; e o veterano Abílio.Tudo começou com Luís Carlos, que Jorge Mendes descobriu nos madeirenses do Machico. Tratava-se, na altura, de um jogador anónimo na II B, o que impediu mesmo a sua colocação no Santander de Espanha, mas Jorge Mendes aproveitou bem o conhecimento travado com o presidente do Salgueiros, José António Linhares. "Disse-lhe para ficar com o Luís Carlos e prometi-lhe que em Dezembro o vendia a um grande". Cimentou a "relação de confiança" com o presidente do Salgueiros, o que, aliás, diz já ser "extensível a muitos outros dirigentes. "Sinto orgulho por as minhas opiniões serem consideradas".Mas o primeiro negócio de Jorge Mendes foi o guarda-redes Nuno, que rendeu quase 600 mil contos ao Guimarães quando, há três anos, saiu para a Corunha, depois de um prolongado braço-de-ferro entre o jogador e Pimenta Machado. "Devo ter feito mais de cem viagens à Corunha", recorda o empresário. Foi por ocasião daquela transferência que Jorge Mendes mudou de vida. Deixou a Discoteca Alfândega, que possuía em Caminha, para onde foi viver aos 20 anos a fim de poder ajudar o irmão doente. "Desde os tempos em que tive um clube de vídeo e, mais tarde, a discoteca, que sempre convivi e tive muito amigos no mundo do futebol", acrescenta o empresário, também ele um ex-futebolista amador. O primeiro passo foi apostar na criação de uma rede de observadores em todo o país; ele próprio passou a ver jogos ainda com "maior frequência". Foi através desse método de trabalho que descobriu o médio Costinha no Nacional da Madeira, escondido na II Divisão B. A primeira possibilidade de o colocar foi no Valência. Após um período experimental, Valdano deu ordens para que assinasse contrato. Mas, depois de uma conversa com o técnico, Costinha percebeu que teria de passar por uma fase de adaptação. Não concordou e pediu a Jorge Mendes que lhe arranjasse outro clube. "Na altura, o Mónaco já queria o Beto do Sporting, mas também me tinha pedido um trinco. Disse-lhes que tinha um grande jogador para o lugar. Costinha foi treinar e, ao fim de uma semana, o Tigana disse ao presidente para ele assinar". E Costinha passou a ganhar 14 vezes mais do que recebia no Nacional, tendo sido, entretanto, internacional pela selecção A. "Sinto-me mais à vontade nesta área do mercado, até porque há jogadores na III Divisão e na II B que tinham lugar em muitas equipas da I Divisão. Veja-se o caso do Chicabala, um jovem de 18 anos que jogava no Forjães, dos regionais do Minho, e que começa a destacar-se no Rio Ave".O aproveitamento deste mercado pouco explorado é, garante, algo de que nunca irá abdicar. "Há quanto tempo é que não entrava no Benfica um jogador que não fosse conhecido e com muitos anos de I Divisão? Antes do Luís Carlos só me lembro do Vítor Paneira e isso foi há dez anos...". E quem são os próximos craques que poderão saltar brevemente para a ribalta? Entre vários, percebe-se que o empresário confia principalmente no defesa-esquerdo do Vila Real Rui André e no avançado Lixa, do Felgueiras, mas ligado ao Guimarães.Para a escolha, Jorge Mendes diz que não lhe interessa apenas o potencial futebolístico: nunca assina contrato com ninguém antes de lhe "conhecer a personalidade e o carácter". "Se virmos que não tem juízo, não assinamos, nem que seja um jogador extraordinário. Aliás, o contrato serve apenas para dar credibilidade quando surge a oportunidade de fazer uma operação, porque o que conta mais é a palavra e a relação que gostamos de manter com os nossos jogadores", garante o empresário, que ainda no início da época intermediou, juntamente com Jorge Gama, a transferência de Pauleta do Salamanca para o Corunha, bem como a ida do Rio Ave para o PSV Eindhoven do brasileiro Marcos, entretanto emprestado ao Sporting. Outro negócio que esteve quase a concretizar foi a venda de Beto ao Mónaco. O Sporting recebia sete milhões de dólares (cerca de um milhão de duzentos mil contos) e Jorge Mendes chegou a abdicar da comissão para tentar facilitar as negociações. Outro jogador por si representado é o benfiquista Hugo Leal, que deverá ser a sua próxima grande operação.Actualmente, Mendes representa cerca de 40 futebolistas. "Há jogadores que não represento, mas dos quais sou amigo e que tento ajudar quando surge a oportunidade, como foi o caso do Porfírio", explica o empresário, cuja empresa (Gestifute) faz também a gestão da carreira e dos investimentos dos jogadores. "Aqui analisamos os plantéis dos clubes para vermos as suas possibilidades de progressão, o perfil dos treinadores, para sabermos se não têm medo de apostar em jogadores pouco conhecidos, e até os próprios jogadores, para sabermos se estão preparados para irem logo para um clube de nomeada ou se primeiro devem passar por outras fases", refere.Para poder cumprir aqueles pressupostos, Mendes chamou para trabalhar consigo, há um ano, Sérgio Alves, ex-jornalista de "A Bola", a quem o liga uma amizade antiga. "Quis montar uma estrutura com pessoas da minha confiança, sérias, competentes e ligadas ao meio". Mais recentemente, passou também a trabalhar na empresa o economista Luís Correia, que "está a fazer um estudo para ver a melhor forma de ajudar os jogadores, designadamente nos investimentos, fiscalidade, imagem e seguros". "Um jogador que ganha muito dinheiro tem de estar só preocupado com o futebol e não se deve meter em negócios. Eles são muito solicitados a participar em sociedades. Não aconselhamos que o façam, mas sim a fazerem apenas administração de património. Veja-se o que aconteceu ao antigo jogador do Benfica Veloso, que se meteu com alguém e foi enganado".

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