Morreu Manuel Costa e Silva, "o pintor da luz"

Funciona como uma embaixada da cultura báltica e é o resultado da revisão da vida de um homem que fez 50 anos. A Kremerata Baltica, fundada em 1996 é o mais recente projecto de Gidon Kremer, um violinista que acredita que o poder emocional da música pode quebrar todas as barreiras. Para o provar Kremer faz alternar Vivaldi e Piazzolla, criando "As Oito Estações".

Manuel Costa e Silva, um nome da geração do cinema novo português, morreu ontem em Lisboa, aos 60 anos, vítima de doença súbita. O corpo está em câmara ardente na Igreja de Fátima, na Avenida de Berna, e o funeral realiza-se pelas 14h para o cemitério de Carnide.Com a morte de Manuel Costa e Silva desaparece uma figura discreta, mas de grande importância no movimento de renovação do cinema nacional, a partir dos anos 60. O seu nome e principalmente a sua actividade como director de fotografia aparecem indissociavelmente ligados aos de vários realizadores que protagonizaram aquele movimento, em particular ao de Fernando Lopes. Foi Manuel Costa e Silva o autor da bela fotografia a preto e branco de "Uma Abelha na Chuva" (1968), e acompanhou o mesmo realizador ao longo de tantos filmes: as curtas-metragens "Era uma Vez Amanhã", "A Aventura Calculada" (ambas de 1971) e "O Encoberto" (1974), e as longas "Nós por Cá Todos Bem" (1977) e "Crónica dos Bons Malandros".Num emociado depoimento prestado ontem ao PÚBLICO, Fernando Lopes lembra que o seu trabalho com Costa e Silva começou logo no início dos anos 60, já que foi ele que fotografou as entrevistas para "Belarmino". Sobre "Uma Abelha na Chuva", o realizador afirma que o seu amigo e companheiro - "Ele era para mim como um irmão", diz - fez aí "a mais bela fotografia a preto e branco do cinema português"; e como exemplo da grande qualidade do seu trabalho a cores, lembra a fotografia de "Amor de Perdição", de Manoel de Oliveira. Fernando Lopes acrescenta que Manuel Costa e Silva "fabricava a luz" e "pintava com a luz", evocando a propósito o seu gosto pela pintura, mas também a sua boa preparação técnica nesse domínio.O realizador de "Belarmino" realça ainda a importância da acção de Costa e Silva na revolução do cinema novo português. "É que muitas vezes as pessoas pensam que os nomes do movimento são apenas os realizadores, esquecendo todos aqueles que noutras funções nele participaram activamente", acrescenta.Para além de Lopes e Oliveira, muitos outros cineastas experimentaram a mestria fotográfica de Manuel Costa e Silva. Entre eles anotem-se Eduardo Geada ("Sofia e a Educação Sexual"), Ernesto de Sousa ("Almada, Nome de Guerra"), António-Pedro Vasconcelos ("Emigr/Antes... e Depois"), Artur Semedo ("O Barão de Altamira"), ou Margarida Gil ("Relação Fiel e Verdadeira").Mas Manuel Costa e Silva foi também realizador, tendo-se principalmente distinguido no documentário. Se na longa-metragem de ficção a sua obra se limita a "A Moura Encantada" (1985), desde o final dos anos 60 que se interessou pelo género documental, tendo assinado vários filmes dos quais vale a pena destacar "Festa, Trabalho e Pão em Grijó de Parada" e "A Grande Roda".Outra importante vocação de Costa e Silva foi a de animador cultural. Para além da actividade cinéfila e crítica, são de assinalar a sua participação no lançamento do Festival de Cinema de Tróia, mas principalmente a criação dos Encontros de Cinema Documental da Malaposta, no início dos anos 90, e que este ano assinalam a sua décima edição. Fernando Lopes referiu ao PÚBLICO que uma das grandes preocupações dos últimos tempos do seu amigo era precisamente garantir o futuro dos Encontros. "Ele era a alma daquilo. Não sei se eles lhe irão sobreviver, mas espero que sim, e que a décima edição lhe seja condignamente dedicada", diz o realizador.José Manuel Costa, subdirector da Cinemateca Portuguesa, antes de falar das várias facetas de Costa e Silva, diz que ele foi fundamentalmente "um homem do cinema português das últimas décadas". Se mostrou ser um realizador, de certo modo, discreto - com obras documentais "significativas e muito bonitas", como "A Grande Roda" (1969) - "foi sobretudo um dos mais importante autores de fotografia do cinema novo". José Manuel Costa, lembra, muito especialmente, a impressão que sempre lhe deixou "Uma Abelha na Chuva" - "a mais bela fotografia a preto e branco e uma das mais belas de todo o cinema português". Costa e Silva, lembra, foi o promotor do primeiro veículo de divulgação do documentário contemporâneo em Portugal, em termos regulares. "Penso que deixou uma herança muito importante na cultura documental". Manuel Costa e Silva nasceu em Lisboa, a 19 de Março de 1938. Depois de abandonar o curso de Engenharia de Máquinas, que frequentou na cidade austríaca de Graz, rumou a Paris onde estudou no IDHEC, na especialidade de fotografia, entre 1959 e 61. Em França trabalhou com Jean Rouch e Pierre Kast. Em 1963-64 instalou-se na Suécia, onde foi assistente de realização de Jorn Donner e Alf Sjoberg. De regresso ao nosso país, Manuel Costa e Silva passou pela Tóbis e pelo Centro Português de Cinema, inicia aí uma actividade que deixou marcas no cinema nacional. Muitos dos filmes portugueses guardam a luz que ele sonhou e desenhou. Como um pintor.

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