Almeida Garrett, dois séculos depois

Os artistas têm uma responsabilidade moral ou basta a legitimação estética das suas obras? Ao organizar "Beleza e Culpa", a primeira exposição alemã dedicada à vida e obra da cineasta Leni Riefenstahl, o Museu do Filme de Potsdam convida os visitantes a tirarem conclusões. Foi necessário que passassem mais de 50 anos para que a Alemanha não receasse olhar de frente Riefenstahl, o virtuosismo dos seus filmes e o fascínio fascista que envolve as imagens.

Mais de meia centena de investigadores da obra de Almeida Garrett (1799-1854) vão participar no congresso internacional dedicado à figura, vida e obra do escritor e político portuense, que se realiza a 3, 4 (dia do seu nascimento) e 5 de Fevereiro próximo, em Coimbra. Presidido por Ofélia Paiva Monteiro, considerada a maior especialista da obra do autor de "Frei Luís de Sousa", o congresso será aberto pelo presidente da comissão nacional para as comemorações do bicentenário de Garrett, Carlos Reis. Mas outros nomes conhecidos passarão pela Universidade de Coimbra (UC) ao longo desses três dias, entre os quais Eduardo Lourenço (que falará sobre "Os espectros de Garrett"), Hélder Macedo ("Garrett no romantismo europeu"), Luiz Francisco Rebello ("Garrett e a propriedade literária"), Helena Carvalhão Buescu ("A enciclopédia de Garrett enciclopedista"), José-Augusto França ("Condições sócio-culturais do romantismo em Portugal"), Luciana Stegagno Picchio ("Os olhos verdes que eu vi") ou Andrei Rodowski ("Almeida Garrett e Alexandre Puchkine"). Para além das comunicações, o programa do congresso inclui a realização de duas mesas-redondas sobre os temas "Garrett, o Cidadão" e "Didáctica do texto garrettiano".Nas iniciativas paralelas, assinale-se outro grande acontecimento do programa: a inauguração, a 3 de Fevereiro, na Sala de S. Pedro da Biblioteca Geral da UC de uma grande exposição documental, bibliográfica e iconográfica sobre Almeida Garrett, que depois será também apresentada no Porto e em Lisboa, respectivamente cidades de nascimento e morte do autor.Refira-se, a propósito, que o terceiro grande acontecimento do programa do bicentenário é a construção, no Porto, da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, iniciada no passado mês de Dezembro, nos jardins do Palácio de Cristal, e que se prevê possa entrar em funcionamento já no próximo ano.Para depois do congresso de Coimbra, e ao longo de um ano - de 4 de Fevereiro próximo até ao mesmo dia do ano 2000 -, a comissão nacional reuniu já uma vasta lista de iniciativas. Entre elas avultam dois outros colóquios: um internacional sobre o Liberalismo, a realizar pelo Ateneu Comercial do Porto, entre Março e Maio; e outro a realizar na Maia, nos dias 22 e 23 de Maio, sobre o tema "De Garrett ao neo-garrettismo". No capítulo das publicações, o destaque vai para a edição crítica das obras completas do escritor e político, sob a coordenação de Ofélia Paiva Monteiro, e para a publicação de cartas inéditas pela Biblioteca Nacional. Noutro campo, será editado um CD com música portuguesa do tempo de Garrett e poesias musicadas do autor.Quanto a espectáculos, teatrais e musicais, assinalem-se as produções do Teatro Nacional D. Maria II, com as peças "Frei Luís de Sousa", "A Sobrinha do Marquês" e "Façar Verdade a Mentir"; e muitas outras de companhias independentes, como a Seiva Trupe ("O Arco de Santana"), os Bonifrates ("As Profexias do Bandarra"), o Teatro Animação de Setúbal ("E Agora, Garrett?"), o Teatro Maizum ("Uma Cadeira em S. Bento") e o Centro de Dramaturgias do Teatro Nacional S. João ("O Sexto Sentido"). Por sua vez, "Almeida Garrett e o romantismo musical" é o título dum ciclo de música a ter lugar no Porto, comissariado por Ruy Vieira Nery; e a ópera "Dona Branca" vai ser produzida pelo Círculo Portuense de Ópera e pelo Coliseu do Porto, para ser apresentada nesta sala, em Outubro.O ano do bicentenário de Garrett vai, no entanto, mobilizar muitas outras iniciativas por todo o país, paralelamente às elencadas pela comissão nacional - que já tem um logotipo para a efeméride (ver foto). O programa das iniciativas portuenses - as principais das quais estão integradas nas comemorações nacionais - vai ser anunciado publicamente no dia 2 de Fevereiro, no café-concerto do Teatro Rivoli. Quem, entretanto, já se antecipou na apresentação dum calendário próprio foi a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, cidade onde Garrett viveu a sua infância. Numa conferência de imprensa realizada, anteontem, na Quinta do Sardão, casa que acolheu o escritor, Luís Filipe Menezes anunciou um ano de iniciativas, utilizando como pretexto a afirmação de Garrett: "Ora eu nasci no Porto e criei-me em Gaia". Nelas destacam-se a realização, a 4 de Fevereiro, de um debate sobre "A participação dos cidadãos na vida política"; uma exposição bibliográfica garrettiana e outra de fotografias alusivas à época do autor de "Viagens na Minha Terra", ambas a inaugurar a 26 de Março; um simpósio sobre "A obra de Garrett" destinado aos professores de Português, em Maio; o lançamento dum roteiro garrettiano e um colóquio sobre a época de D. Pedro IV, em Outubro; e ainda concertos, feiras e outras exposições temáticas.

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