Os mísseis que perturbam Atenas e Nicósia

Com base numa doutrina de Defesa concebida pela dupla Papandreou-Clérides, Atenas decidiu instalar mísseis de fabrico russo e peritos de Moscovo em Chipre. Irritou os EUA, a NATO e sobretudo a Turquia. O material foi entretanto deslocado para a ilha grega de Creta, mas a tensão persiste.

A tensão greco-turca parece ameaçar o mandato de Costas Simitis. Quando tomou posse como primeiro-ministro de Atenas, em 1996, irrompeu uma crise militar entre a Grécia e a Turquia em torno da disputa dos rochedos Imia, no Leste do mar Egeu. Quando navios de guerra dos dois países se posicionavam para o confronto, e helicópteros e aviões de combate sobrevoavam a região, só a intervenção dos Estados Unidos pôs termo à crise. Simitis foi então publicamente acusado pelo Parlamento grego de "pôr à venda" os interesses nacionais, e de "permitir aos turcos" que contestassem a soberania grega sobre o mar que divide as duas nações. Como consequência, todos os exercícios militares da Grécia, Turquia, ou dos seus aliados da NATO no Mar Egeu ou no Mediterrâneo Oriental foram seguidos de perto pela NATO e pelos EUA, para evitar uma eventual derrapagem. Andreas Papandreou, o antecessor de Simitis, fundador do Partido Socialista Pan-Helénico (PASOK, no poder), tinha declarado, com alguma surpresa, após a sua vitória em 1993 que ele e o Presidente de Chipre, Glafcos Clérides, tinham forjado uma nova doutrina de defesa conjunta. E apesar de a ilha de Chipre - dividida pela intervenção militar turca de 1974 - estar mais próxima das costas da Síria e do Líbano do que das costas gregas, a nova doutrina foi posta em prática. No entanto, fontes em Atenas referem que o acordo não passou do papel, e que pouco foi feito para o activar. O espectacular anúncio de Papandreou, que morreu em 1996, terá tido como objectivo prioritário provocar um efeito mais diplomático que militar, para tentar encontrar uma solução política para Chipre. Poucos anos após a invasão turca de 1974 e a consequente divisão de Chipre, os gregos optaram pela táctica de "esperar, ver e depois actuar". Apesar das numerosas resoluções da ONU que apelam para o fim da ocupação turca de 37 por cento do território, nada sucedeu, apesar da permanente pressão grega. Duas décadas mais tarde, Papandreou decidiu terminar com o alheamento internacional e pressionar a ONU e os EUA. Foi este o objectivo da doutrina de defesa conjunta grego-cipriota, que tantas críticas originou. A doutrina era encarada como um factor que apenas poderia deteriorar a situação na ilha. E o que mais incomodava os aliados da Grécia eram as constantes ameaças turcas de destruir pela força a aliança greco-cipriota. Atenas e Nicósia não cederam. Após um conjunto de pequenas e médias manobras militares conjuntas na parte "libertada" da ilha, e de voos de aparelhos militares gregos muito contestados pelos turcos, inauguraram no Verão passado uma base aérea militar na região de Pafos, na costa ocidental cipriota. O novo aeroporto militar, ainda em construção, constitui um dos principais pilares da doutrina comum, e necessita de protecção. Por saberem que os EUA e outros fabricantes ocidentais de mísseis terra-ar colocariam, no mínimo, algumas reservas para a venda deste material, os gregos e o Governo cipriota dirigiram-se à Rússia. Washington deve ter considerado provocatório o facto de a Grécia, sua aliada na NATO, ter apoiado este negócio, mas a compra de baterias de mísseis S-300 de longo alcance acabou por se concretizar no início de 1997. Desde então, assistiu-se a uma série de iniciativas diplomáticas e tentativas de mediação com o objectivo de adiar a instalação dos mísseis, ou desviar o carregamento para outro local. Em Maio, o enviado da Casa Branca, Richard Holbrooke, falhou na sua tentativa de promover conversações entre os líderes gregos e turcos de Chipre. O Governo de Clérides considerou que tinha chegado a altura de reforçar as defesas da ilha contra a Turquia. A data final para e entrega dos mísseis foi fixada para Novembro. Ancara ameaçou utilizar então utilizar "todos os meios" para impedir a instalação dos mísseis na costa Sul da ilha, e garantiu que as forças turcas destruiriam este material militar, caso fosse instalado. Empenhada na sua doutrina de defesa conjunta com Chipre, a Grécia avisou a Turquia que semelhante comportamento "significaria a guerra". Holbrooke visitou de novo Nicósia e Atenas em Dezembro e, antes do Natal, Simitis e Clérides voltaram a encontrar-se para alterar o acordo dos mísseis e diminuir os perigos de uma confrontação com a Turquia. Os S-300, versão melhorada dos soviéticos SAM-10, já não vão para Chipre e serão instalados na ilha de Creta, no sul da Grécia. Apesar de Chipre se encontrar a uma distância três vezes superior aos 150 quilómetros do raio de acção dos mísseis, a controvérsia em torno da decisão de os instalar em Creta tem outras razões. Reside na presença obrigatória de uma equipa de peritos militares russos nesta ilha grega, onde existem importantes bases navais e aéreas dos EUA.

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