O fôlego da independência

Não foi apenas a sua reconhecida qualidade artística. "Tejo Beat", "Onda Sonora" e "A Guitarra e Outras Mulheres" foram álbuns que envolveram um grande esforço de produção e capacidade organizativa. Foram lançados por duas editoras independentes, a NorteSul e a Movieplay.

Apesar da sua lenta escalada, é cada vez mais notório na indústria fonográfica portuguesa que as editoras independentes é que têm imaginação e capacidade para terminarem trabalhos de fôlego que envolvem um grande esforço de produção e capacidade organizativa. As compilações "Tejo Beat" e "Onda Sonora: Red Hot + Lisbon", e o disco de António Chainho com diversos convidados de prestígio internacional, "A Guitarra Portuguesa e Outras Mulheres", são a prova maior dessa competência (por comparação, basta lembrar que a Sony foi a única a abalançar-se num projecto semelhante, com "Noites Longas", remisturas de música de dança a partir de temas pop, mas os resultados finais não foram entusiasmantes, quer nas vendas, quer no equilíbrio artístico das diversas propostas).A NorteSul, com a direcção musical a cargo do animador de rádio Henrique Amaro, convidou o melhor produtor nacional, Mário Barreiros (Pedro Abrunhosa, Silence 4, etc.), e Mário Caldato, um dos mais respeitados produtores mundiais (Beastie Boys, Planet Hemp, etc), reuniu a nata da nova geração de artistas e conseguiu que grupos tão distintos como os Blasted Mechanism, Blind Zero, Cool Hipnoise, Primitive Reason, Ithaka ou Ornatos Violeta, que já tinham experiência de gravação de discos, fizessem os melhores registos das suas carreiras. "Tejo Beat" pode não ter sido um sucesso de vendas (esteve bem longe, de resto), mas é um marco da produção nacional. Grandes canções e uma excelente qualidade técnica obrigaram a nivelar por cima os padrões de qualidade da música feita em Portugal. E, mais cedo ou mais tarde, esse esforço dará frutos. Na Movieplay, o trabalho foi ainda mais hercúleo, com artistas dos quatro cantos do mundo a cruzarem-se uns com os outros para assinarem aquela que é uma das mais felizes - se não mesmo a melhor - compilações da organização Red Hot de luta contra a sida. O mesmo esforço foi depois levado a cabo para a gravação de um disco que culmina a carreira de um dos mais prestigiados guitarristas portugueses, António Chainho, acompanhado de cantoras como Teresa Salgueiro, Elba Ramalho ou Nina Miranda. Voltando à NorteSul, é uma editora que, apesar de ainda não lhe ter calhado na lotaria um grande sucesso de vendas, tem desenvolvido um esforço de continuidade com os seus artistas. Exemplo disso são os Cool Hipnoise e os Blind Zero, que, mesmo sem um álbum novo, surgiram este ano com reedições de discos anteriores com remisturas e versões, havendo ainda a acrescentar a edição em Espanha de "Sem Cerimónias", dos Mind da Gap. Para além da edição de novos discos de Xana e Mão Morta (de quem a NorteSul reeditou a discografia completa), do surgimento de "Escape" dos Ithaka na banda sonora de um filme de Hollywood ("Replacement Killers", de Antoine Fuqua), destaque-se ainda os trunfos de fim de ano, com a estreias de Boss AC e dos Belle Chase Hotel, que assinaram com "Fossa Nova" o mais brilhante disco do ano. A NorteSul surgiu ainda com os selos Khami Kazz (com as edições em máxi de temas de música de dança) e Nada (com o disco de estreia do Projecto Om, "Longitude"). A editora de música de dança Kaos, depois de reunir a obra dos USL (cujo bem sucedido single "Are you looking for me?" teve consequências internacionais), editou ainda os álbuns a solo de Alex Santos ("Urban Dreams Productions") e Paul Jay's ("@Disco.necting"), para além das suas habituais compilações de temas de dança. A Paradise Records, a Squeeze Records e a X-Club Records também lançaram as suas compilações através da MCA, dando protagonismo aos produtores nacionais. Mas como a música de dança depende ainda dos máxis para DJ, a falta de um mercado para o vinil e a deficiente penetração no mercado estrangeiro continuam a impossibilitar que projectos de qualidade, como a Lupeca Records, desenvolvam um trabalho de maior continuidade. A Ananana destacou-se por revelar os Zzzzzzzzzzzzzzzzzp! e lançar a banda sonora de Nuno Rebelo para uma coreografia de Paulo Ribeiro, "Azul Esmeralda". Rui Júnior voltou a fazer história com O Ó Que o Som Tem, editado pela Farol. A União Lisboa IV voltou a desiludir, lançando um dos melhores álbuns do ano, "Tips & Shortcuts", dos Primitive Reason, mas negligenciando o necessário trabalho de acompanhamento dos seus melhores artistas. A Música Alternativa, para além do trabalho de continuidade com o heavy metal e demais subgéneros, e da criação do selo Tornado (para intérpretes de guitarra eléctrica), editou ainda os álbuns de estreia dos Pinhead Society ("Kings of Our Side") e dos Muad'Dib Off Distortion ("A Revolução Não Será Uma Explosão"), que assinalou o regresso de uma das maiores e mais arrojadas eminências pardas da música portuguesa de sempre, Jorge Ferraz. Mas existem também os independentes das independentes, como Megafone (de João Aguardela), The Gift e Superego, grupos de competência assinalável que lançaram com meios próprios a sua música. O esforço dos The Gift é ainda mais apreciável, pois o segundo disco do grupo, "Vinyl", revela a sua ambição sem condescendências (e há ainda a assinalar o lançamento do vídeo "Digital Atmosphere", referente aos concertos de promoção do álbum de estreia).

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