Tribunal europeu condena Portugal por violação da liberdade de expressão
Dois portugueses que denunciaram más práticas num centro de saúde acabaram condenados por difamação. Tribunal Europeu dos Direitos do Homem deu-lhes razão.
O Estado português foi condenado, quinta-feira, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) por violar a liberdade de expressão de dois portugueses condenados por difamação agravada, com base numa carta que enviaram ao ministro da Saúde em Julho de 2004, queixando-se de um funcionário do centro de saúde de Salvaterra do Extremo, no distrito de Castelo Branco.
A carta, que veio mais tarde a ser publicada num jornal local, foi usada pelo funcionário administrativo, que tinha sido durante vários anos presidente da Junta de Freguesia de Salvaterra do Extremo, para fazer uma queixa-crime por difamação. E, apesar de a Inspecção-Geral da Saúde lhe ter aberto um inquérito e ter detectado algumas irregularidades, os dois denunciantes acabaram condenados por difamação agravada, tendo sido obrigados a pagar uma indemnização de 1600 euros ao administrativo.
A denúncia dizia que o funcionário não cumpria o horário e que trabalhava apenas três manhãs por semana, apesar de receber um salário mensal inteiro. Acusava-se ainda o visado de “práticas incompatíveis com a ética profissional”. A inspecção da saúde concluiu que, além de não cumprir o horário de trabalho, o funcionário não tinha cobrado várias taxas moderadoras em 2004 e 2005 e aplicou-lhe uma multa de 500 euros.
Um recurso hierárquico acabaria depois por servir de atenuante ao comportamento do funcionário, por se entender que a não cobrança das taxas não foi feita em benefício pessoal, mas antes devido às condições económicas de alguns utentes. Mesmo assim, o funcionário foi obrigado a devolver 546 euros de taxas moderadoras não cobradas.
Esses elementos não foram suficientes para o Tribunal da Relação de Coimbra mudar a decisão da primeira instância, tendo confirmado a condenação. Inconformados, os dois denunciantes recorreram para o TEDH, que agora lhes deu razão.
O tribunal europeu tomou em conta as irregularidades detectadas pela inspecção da saúde, nomeadamente a não cobrança das taxas. “Esta constatação é suficiente para concluir que houve neste caso uma base suficiente factual, ou seja, uma base séria para a origem das queixas. Os recorrentes agiram de boa-fé”, lê-se no acórdão divulgado. Os oito juízes, incluindo um português, consideram, por isso, que não foi ultrapassado o limite permitido de críticas.
O advogado dos queixosos, José Pedro Sousa, mostra-se satisfeito com a decisão, que no seu entender repõe a justiça no caso. “É uma forma de corrigir muitas das decisões proferidas pelos tribunais portugueses por crimes de injúrias e difamação”, afirma José Pedro Sousa. E lamenta que recorrentemente quem denuncia situações que envolvem entidades públicas e os seus agentes acabe processado.