Surfistas e banhistas recebem formação para salvar vidas

Em 2014, os surfistas fizeram 80 salvamentos em praias não vigiadas e este ano já salvaram 30 pessoas. Instituto de Socorros a Náufragos está a percorrer as praias do país. E aposta na formação com o projecto Surf Salva que deverá atingir mais de um milhar de pessoas.

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Em cada sessão são dadas explicações sobre como efectuar o salvamento de uma vítima dentro de água e como realizar, já em terra, o suporte básico de vida Adriano Miranda
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Miguel Pereira acaba de testar, num boneco, os ensinamentos de suporte básico de vida que foram transmitidos pelo sargento Jorge Silva, do Instituto de Socorros a Náufragos (ISN). “Não é tão difícil quanto parecia e, agora, já sinto que estou em condições para tentar salvar alguém”, avalia este jovem de 16 anos, depois de participar na formação do projecto Surf Salva, que ontem decorreu na praia da Barra, em Ílhavo. Praticante de surf há apenas um ano, e ainda a frequentar aulas deste desporto, Miguel Pereira assume que, antes de receber esta formação, dificilmente “conseguiria socorrer uma pessoa”.

Quem também não tem dúvidas em atestar o mérito do projecto que está a ser desenvolvido pelo ISN, em parceria com o Lidl  e já pelo segundo ano consecutivo  é Rosa Grilo, cidadã francesa com origens portuguesas. Decidiu aproveitar as férias na região para fazer umas aulas de surf com a filha, de 9 anos, e, ontem de manhã, foi apanhada de surpresa com a aula extra, sobre socorro e salvamento. “Sou médica e acho que é muito importante que se dê esta formação aos surfistas, pois, pode, de facto, salvar vidas”, diz Rosa Grilo.

Em cada uma das sessões do Surf Salva – arrancaram a 30 de Maio, em Carcavelos, e estendem-se até ao dia 22 de Agosto – são dadas explicações sobre como efectuar o salvamento de uma vítima dentro de água e como realizar, já em terra, o suporte básico de vida (conjunto de medidas utilizadas para restabelecer a vida de uma vítima em paragem cardiorespiratória).

“Se o surfista já estiver na água, é mais fácil fazer a aproximação à vítima. Se estiver em terra, tem de escolher o melhor local para se fazer ao mar, tendo em conta as correntes e a rebentação”, alerta Albano Viana, formador do ISN desde 2002, surfista há 35 anos e nadador-salvador há 32.

Uma vez junto da vítima, há regras importantíssimas que um surfista tem de ter em consideração. “Tem de verificar em que condição está a vítima. Se está só cansada, se está em pânico ou se está inconsciente”, explica o formador. Os procedimentos deverão ser diferentes para cada uma das situações. Exemplos? “Se a vítima estiver em pânico, os cuidados têm de ser maiores, não podemos deixar que haja contacto físico connosco. Só depois de ela se acalmar, é que a colocamos na prancha para a trazer para terra”, diz o formador do ISN, que só na sessão de ontem teve de falar para mais de 50 alunos, com idades compreendidas entre os 7 e os 40 anos – na grande maioria alunos de escolas de surf de Aveiro.

Já em terra, é preciso fazer testes de consciência (abanar e falar em voz alta), gritar por ajuda e verificar se a vítima está a respirar (procedimento designado de VOS – Ver, Ouvir e Sentir). Caso tal não se verifique, urge “ligar para o 112 e dar informações precisas”, adverte, por seu turno, o sargento Jorge Silva.

Até que chegue a equipa de emergência médica, importa iniciar, então, as manobras de compressões torácicas – com as mãos no meio do tórax de vítima – e de ventilações (respiração boca a boca), conforme é explicado pelos formadores do ISN.  As acções estão a percorrer a costa portuguesa e este ano vão abranger também os banhistas – a partir da próxima semana, o Surf Salva compreenderá também sessões para os veraneantes, mas incidindo apenas no socorro em terra.

Projecto importado do Brasil
O Surf Salva nasceu nos anos 80, no Brasil, e acabou por chegar a Portugal, no ano passado, ao abrigo da colaboração existente entre o ISN e a Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático. “Portugal foi o primeiro país da Europa a avançar com este projecto”, diz o comandante Nuno Leitão, do ISN.  

Em termos práticos, o Surf Salva tenta aproveitar o facto de existirem, no país, um total de “150 mil praticantes de surf”, que são, por norma, “os primeiros a chegar à praia e os últimos a sair da praia”, evidenciam “um grande à vontade dentro de água” e estão munidos “de uma prancha e um fato de neoprene que permite maior flutuação”, destaca ainda o responsável pelo ISN. “São pessoas com todas estas características, às quais decidimos dar formação e fazer alguma sensibilização para que eles sejam uma mais-valia em termos de segurança”, acrescenta Nuno Leitão.

“Apesar de eles estarem muito à vontade com a água, temos registo de situações em que os surfistas colocaram a sua vida em risco ao salvar vidas, porque não tinham noções básicas de salvamento”, aponta ainda o responsável do ISN, para justificar a necessidade de ensinar aos praticantes de surf “como salvar em segurança, como garantir o suporte básico de vida e como accionar os mecanismos para a retirada das vítimas”.

“O sucesso de um salvamento não é só garantido dentro de água, inclui também os cuidados prestados em terra”, faz questão de vincar Nuno Leitão.

80 salvamentos só em 2014
Os números de salvamentos feitos por surfistas acabam por atestar a validade deste projecto. De acordo com os registos do ISN, em 2014, os salvamentos feitos por surfistas em áreas não vigiadas ascenderam a 80. Este ano, o número vai já nos 30.

Perante estes números, a pergunta torna-se inevitável: qual a razão de ter havido, no início da época balnear, uma interdição – rapidamente levantada – da prática de surf nas praias de Ílhavo (precisamente, num dos espaços por onde o Surf Salva andou no dia de ontem)? “Foi um falso problema, uma má interpretação da lei”, assegura o comandante do ISN, ao mesmo tempo que destacava que o mais importante é que a questão foi ultrapassada. “Nós não queremos deixar de ter surfistas nas praias adjacentes às praias vigiadas, porque a sua presença significa que temos também mais meios de salvamento”, remata, a propósito da polémica surgida no início da época balnear nestas praias da região de Aveiro.

No ano passado, o Surf Salva conseguiu dar formação “a um total de 1.100 surfistas”, perspectivando-se que, em 2015, esse número “seja mantido ou até mesmo ultrapassado”, declarou o responsável do ISN, sem deixar de sublinhar que, “como a edição de 2014 incidiu muito nas escolas de surf é de esperar que esta formação e sensibilização tenha um efeito viral”. 

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