Roupa versátil para corpos diversos

Duas amigas lançaram uma empresa com linhas de roupas que podem ser usadas por qualquer pessoa, incluindo quem se desloca em cadeira de rodas.

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Susana Rodrigues conta 33 anos. Estudou Biologia. Célia Monteiro, 41 anos, estudou comunicação. Fernando Veludo/NFactos

Um novo conceito está prestes a chegar ao mercado: roupas inclusivas, isto é, roupas que podem ser usadas por pessoas com ou sem incapacidade física. A empresa que o está a lançar, IMOA, com sede em São João da Madeira, procura gente entre os 18 e os 80 anos que possa dar rosto às várias linhas.

Quis o acaso que Susana Rodrigues e Célia Moreira se conhecessem ao frequentar um curso de “coaching”, tão em voga nestes tempos em que a qualquer um parece dar jeito melhorar a performance. Nada parecia ligar estas mulheres que agora vemos dizer que não querem que alguém tenha de vestir um “saco de batatas” só porque está confinado a uma cadeira de rodas.

Susana Rodrigues conta 33 anos. Estudou Biologia. Chegou a iniciar carreira de investigação, mas não, não era no laboratório que encontrava alegria. A sua grande paixão era a moda. Decidiu segui-la. E quis fazer tudo como devia ser. Estudou consultadoria de imagem em França. Aprofundou alguns aspectos em Inglaterra e nos Estados Unidos. Estava a trabalhar nisso.

Célia Monteiro, 41 anos, estudou comunicação, fez pós-graduação em assessoria, trabalhou num canal de televisão, mas não lidava bem com o stress. Fez um mestrado em psicologia clínica. Sentia-se no sítio certo. Trabalhava com pessoas que estavam a reaprender a viver depois de terem sido apanhadas por algo tão perturbador como um acidente vascular cerebral ou um traumatismo crânio encefálico. Para trabalhar melhor, fez uma especialização em neuropsicologia.

Muitas daquelas pessoas tinham vidas activas, intensas. De um dia para o outro, ficaram em parte paralisadas. Para ninguém é fácil a adaptação à mudança. “Vemos isso quando uma pessoa se casa, quando se divorcia, quando tem filhos, quando perde alguém, quando tem de fazer um luto”, comenta ela.

Célia via o que sofriam enfermeiros e familiares para vestir alguns. E via o que sofriam os próprios doentes. Vestir um casaco pode ser tão penoso que alguns preferem passar frio. Há quem se recuse a sair de casa por não se sentir bem com nenhuma peça de roupa que tem no armário.

Falaram disso tudo quando se conheceram. O que é funcional não tem estilo. O que tem estilo é pouco funcional. Mas com pequenas alterações, roupas proibidas passam a roupas permitidas. E isso, explica Célia, ajuda os doentes a gostarem mais da sua imagem, a sentirem-se mais motivados para sair de casa.

Um ano a pesquisar
Pensaram em fazer um desfile de moda no hospital de reabilitação em que Célia trabalhava. Puseram-se à procura de roupas modernas, bonitas, que pudessem vestir aos doentes. Nada encontraram. E se contactassem estilistas conhecidos e os desafiassem a fazer peças específicas para o desfile? — questionaram-se. Não. E se tratassem elas de tudo? — perguntaram-se depois.

Parecia-lhes que o que tinham aprendido até então podia ser útil numa empresa naquela natureza. Não se atiraram logo de cabeça. Andaram mais de um ano a preparar-se. Com a colaboração de instituições como a Associação do Porto de Paralisia Cerebral, contactaram doentes para perceber que peças lhes faziam mais falta, que dificuldades enfrentavam com as roupas que existem.

As peças foram nascendo de um trabalho de equipa, que envolve um designer de moda e um engenheiro do desenvolvimento de produto, e foram sendo testadas por gente com e sem incapacidade. Nunca lhes interessou fazer roupa específica para pessoas com incapacidade. Acham que isso seria discriminar. “Também sou gordinha e não gosto de roupa para gordinhas”, enfatiza Susana.

A primeira colecção está pronta. Deverá ser lançada brevemente. Parece-lhes importante ter venda online, até porque entre os potenciais clientes há quem não goste de se deslocar — os espaços pensados pelas lojas para experimentar as peças são muitas vezes impróprios para cadeira de rodas. Mas já estabeleceram parcerias com retalhistas em Lisboa e no Porto e querem ir por aí fora — até ao Médio Oriente, até à Ásia.

O primeiro catálogo — uma linha de roupa interior para homem e para mulher, uma linha desportiva, também para os dois géneros, e uma linha de pronto-a-vestir só feminina — fez-se com modelos profissionais. O próximo far-se-á com pessoas comuns. Estão abertas as inscrições para um casting destinado a encontrar pessoas, com e sem incapacidade física, entre os 18 e os 80 anos, que possam dar a cara pela marca durante algum tempo — ser uma espécie de embaixadores.

Acarinham um duplo objectivo. Por um lado, explicou Susana, querem pôr aquelas pessoas bem maquilhadas, bem penteadas, bem vestidas, bem fotografadas, a ter uma experiência de moda, a sentirem-se bonitas. Por outro, explicou Célia, querem que a sociedade olhe para estes corpos, que escapam ao que é costume ver nas passerelles, como corpos que também têm beleza.

Demasiadas pessoas permanecem fechadas dentro de casa ou de instituições. Célia e Susana querem tirá-las do escuro. Trazê-las cá para fora, bem vestidos, com gosto pela imagem que vêem reflectida no espelho, pode ajudá-los a sentirem-se iguais, mas também a fazer com que os outros, os que não têm incapacidade, os vejam como iguais. Nada alegra tanto Célia e Susana.

Que não haja equívocos: o projecto tem fins lucrativos. Mas abarca uma componente de responsabilidade social, que passa por trabalho dentro de instituições que acolhem pessoas incapacitadas. A Associação do Porto de Paralisia Cerebral já teve mais de um workshop de consultadoria de imagem.

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