Premiado projecto que facilita acesso dos emigrantes aos serviços de saúde em Londres

Portugueses não se habituaram ainda aos métodos diferentes utilizados pelo serviços de saúde britânicos.

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Imagem de um hospital de Londres REUTERS/Stefan Wermuth

Um médico português envolvido num projecto criado por um clínico britânico para mitigar as dificuldades de acesso da comunidade portuguesa aos serviços de saúde públicos britânicos foi distinguido com o prémio europeu Hippokrates 2015.

O prémio foi atribuído no início deste ano a Cristiano Figueiredo, actualmente médico interno na USF Ribeirinha, do Centro de Saúde do Barreiro, pelo intercâmbio junto do colega Vikesh Sharma em Lambeth, no Sul de Londres. "Foi considerado diferente e o melhor estágio de 2015 porque não se limitou a observação, mas foi activo e interventivo", justificou Figueiredo à Lusa.

O programa Hippokrates, do Movimento Vasco da Gama, que é composto por 15 países, incluindo Portugal, e está ligado à Organização Mundial de Médicos de Família [WONKA na sigla inglesa], promove anualmente intercâmbios internacionais.

Interessado pelo sistema de cuidados primários do Reino Unido, Cristiano Figueiredo pretendia inicialmente juntar-se a uma clínica na província, mas foi seduzido pelo projecto de Vikesh Sharma na capital britânica. "Fui atraído pela possibilidade de trabalhar num projecto com a comunidade portuguesa. Eu gosto da parte social e das determinantes sociais na saúde, nomeadamente migração e interculturalidade", disse.

A zona é conhecida por "Little Portugal" devido à elevada população lusófona: em Lambeth, um sexto dos cerca de 300 mil habitantes fala português. Esta concentração ainda é mais notória entre os seis mil utentes do centro de saúde Grantham Centre Practice, pois um terço é lusófono. "Precisamos de um intérprete três dos cinco dias da semana e 20 a 30% das consultas são feitas em português", revelou o médico britânico Vikesh Sharma à Lusa.

Além da barreira linguística, o clínico apercebeu-se, quando chegou ao centro de saúde, em 2013, que existia um óbice cultural. "Existe uma relutância no relacionamento com o médico britânico. Há pessoas que ainda vão a Portugal pedir consultas", referiu.

O resultado, lamentou, é o agravamento de doenças como diabetes e a falta de assistência e acompanhamento em problemas de saúde mental como depressão, alcoolismo ou toxicodependência.

A chegada de Cristiano Figueiredo permitiu compreender melhor as diferenças entre os sistemas de saúde português e britânico e desenhar uma solução para contornar as dificuldades. "Notava-se que algumas pessoas não confiavam completamente no médico britânico, mas não há dúvidas que têm a mesma qualidade, competência técnica e meios técnicos, senão melhores", enfatizou.

Uma das questões que incomodam os cidadãos portugueses a viver em Londres é a menor frequência na realização de exames médicos no Reino Unido, frisou. "Muitos portugueses habituaram-se a essa medicina preventiva, mas isso já mudou em Portugal, já não se fazem exames sem objectivo específico. A ciência mostrou que os exames preventivos não têm benefícios", referiu o clínico português.

Durante a estadia de duas semanas em 2015, Figueiredo adaptou e traduziu para português uma série de folhetos informativos, a que os médicos da área podem agora aceder no sistema informático e imprimir durante as consultas.

Àqueles juntaram-se entretanto uma selecção de folhetos da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), que estão acessíveis aos médicos britânicos de acordo com palavras-chave.

Entretanto, Vikesh e Cristiano começaram a preparar a criação de um dossier de boas-vindas para os utentes, com um sumário com a lista de direitos, como os exames médicos. E em breve terá início uma sessão mensal de informação e sensibilização para os portugueses no centro comunitário em Lambeth.

Além de querer aumentar o número de inscrições no posto médico e reduzir intervenções tardias em certas doenças, Sharma acredita que é importante mudar hábitos. Por exemplo, num estudo referido pelo médico descobriu-se que os portugueses originários da Madeira têm sete vezes mais propensão a procurar as urgências hospitalares locais do que cidadãos de outras nacionalidades.

Em Londres existem mais opções para serviços de cuidados agudos: além do médico de família e das urgências hospitalares, há médicos "fora de horas" e centros de atendimento permanente [walk-in centres]"Os portugueses que emigram para Londres replicam o comportamento que tinham em Portugal: recorrem às urgências para situações que não são graves", admitiu Cristiano.

Mesmo à distância, o médico continua envolvido no projeto porque, salientou, "é importante explicar e passar a mensagem que os cuidados de saúde [no Reino Unido] são diferentes, mas não inferiores".     

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