Portugal falha metas da ajuda pública a países pobres

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Os PALOP concentram a maior parte das verbas da ajuda pública nacional Rui Gaudêncio

Nota negativa. Portugal não cumpre as metas assumidas a nível internacional em matéria de percentagem do rendimento nacional bruto dedicada à ajuda ao desenvolvimento dos países mais pobres. Faz “pouco” e o “pouco” que faz está cada vez mais associado ao seu próprio interesse económico.

Esta é a ideia chave do relatório AidWatch 2012: Uma Leitura da Cooperação Portuguesa desde 2003, apresentado esta terça-feira na Assembleia da República: “Portugal está muito longe da meta acordada com a União Europeia”. Qual? Destinar 0,7 do seu Rendimento Nacional Bruto à Ajuda Pública ao Desenvolvimento. Em 2011, o rácio “fixou-se nos 0,29%, muito abaixo da média europeia e longe dos 0,7% [a alcançar] até 2015”.

Houve pequenas oscilações ao longo da última década, tirando um pico em 2004 causado pelo perdão da dívida de Angola. Em média, o país dedicou 0,28% à cooperação. Em 2010/2011, “manteve-se nos 0,29%, tendo-se registado um ligeiro aumento de 490 milhões de euros para 509 milhões de euros, em 2011”.

Portugal concentra a chamada ajuda pública bilateral nos cinco países africanos de língua oficial portuguesa e em Timor-Leste. E aposta na cooperação técnica, “principalmente no sector da educação e capacitação institucional”.

Não é só a quantidade. É também a qualidade da cooperação que Ana Filipa Oliveira põe em causa neste estudo de 60 páginas, que é uma iniciativa do grupo de trabalho AidWatch, da Plataforma Portuguesa das ONGD.

Portugal, lembra, comprometeu-se a tentar sintonizar a sua política de cooperação com “os compromissos assinados a nível internacional, incluindo o esforço global de contribuir para a erradicação da pobreza e para a diminuição das desigualdades”. Ora, cada vez mais presta “ajuda ligada”, isto é, ajuda feita, por exemplo, através de “empréstimos condicionados à aquisição de bens e serviços a empresas portuguesas”.

A ligação entre cooperação e diplomacia económica nota-se, em particular, nos últimos três anos analisados. Em 2011, o último ano para o qual há dados, esta modalidade representou “72,5%” do total investido.

Esta lógica, salienta Ana Filipa Oliveira, foge às prioridades de desenvolvimento dos países parceiros. Amiúde, traduz-se “em custos mais elevados”. O ideal, defende, seria comprar os bens e serviços de que necessita cada projecto no país ou, não havendo, na região. “Não há na Guiné-Bissau, há no Senegal”, exemplifica, numa curta conversa ao telefone. Só assim se podem “estimular as economias locais e regionais”.

Nos anos mais recentes, houve linhas de crédito abertas para Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e, fugindo “à lógica da eficácia”, para Marrocos e para a Bósnia. É a diplomacia económica a tentar funcionar em tempo de crise, observa. “A Cooperação para o Desenvolvimento tem como base um imperativo ético” e isso parece-lhe “contraditório com uma preocupação prioritária e unilateral de retorno económico”.

A autora relaciona tal modo de agir com outro aspecto: a execução orçamental só raras vezes ultrapassou os 80%. Em 2011, só foram usados 62% do total de fundos alocados à cooperação.

Não se esgota, porém, aqui a ajuda pública portuguesa. Um terço dela é multilateral, isto é, envolve grandes parceiros internacionais, com a União Europeia à cabeça, seguida de instituições financeiras (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização Mundial de Comércio) e as Nações Unidas. E essa deverá crescer no próximo ano.

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