Os cidadãos e o Estado: dois pesos, duas medidas

Já imaginaram o que seria um movimento colectivo de greve da fome pela parte dos roubados do BES?

Numa recente (e interessante) entrevista a jornal diário, Filomena Mónica afirmou: "não há, por parte da população, uma crítica genuína à corrupção (…) é-lhes indiferente, estão habituados à corrupção, é um bem cultural."

Vamos aceitar esta opinião como verdadeira. Será, para nós, um postulado. Corrigiríamos, contudo, Filomena Mónica afirmando (seria essa a sua intenção, não duvidamos), que é um mal "cultural".

Procuraremos, todavia, um maior esclarecimento para este fenómeno.

Partiremos de experiências, nossas, actuais.

Vamos, contrafeitos, fazer striptease.

Não costumamos expor a nossa experiência pessoal. Hoje, sentimo-nos obrigados a fazê-lo, para daí tirar ilações políticas generalizáveis: até porque são exemplares e demostrativas do que procuramos elucidar.

Depois, porque o que é vivido e sentido tem uma autenticidade única.

Em finais de Maio de 2013, fomos informados por um banco em que depositávamos a nossa reforma, que esta tinha sido penhorada! Isto, sem qualquer aviso prévio.

Em face a este insólito acontecimento, e alertados pelo mesmo de que seriam ordens da Segurança Social (SS: não é ironia), procuramos na SS do Porto uma explicação.

"Tem de ir a Lisboa", foi-nos dito. Seria ordem do Centro Regional da SS de Lisboa e Vale do Tejo. (Para estes esclarecimentos os computadores não funcionam: só para tramar os cidadãos).

Acompanhado por Professor de Direito Fiscal, (quem tem amigos, que é o caso, ou pode pagar deslocações de Professores de Direito Fiscal?) dirigimo-nos a este Centro em princípios de Julho de 2013, onde fomos informados da dívida em causa (cerca de 79.000 euros, juros incluídos) e que havia sido proferido despacho de reconversão contra nós, sem que nunca tivéssemos sido pessoalmente citados para podermos contestar tal decisão. Não pudemos fazer oposição.

A dívida dizia respeito a contribuições ocorridas entre Maio de 2005 e Novembro de 2008 de uma sociedade de que tínhamos sido administradores não remunerados até finais de 2003! Nunca tendo praticado qualquer acto de gestão!

Para mais:

Em processo paralelo — dívida ao fisco da mesma sociedade — da iniciativa da Direcção de Finanças de Lisboa tinha sido decidido, por despacho de Setembro de 2009: " extinga-se a reversão iniciada em nome de Eurico...". (previamente informados pudemos contestar a acusação).

O nosso nome não constava, como administrador da dita empresa, na Conservatória de Registo Comercial em Lisboa.

Nos termos do disposto no artigo 187 do Código Contributivo já tinham, também, prescrito as obrigações vencidas até Julho de 2008. O que não foi considerado na contestada dívida.

Como é possível um organismo de Estado penhorar-nos a reforma, sem ter conhecimento de todos estes factos, despresando a legislação em vigor, e sem nos informar previamente?

Estamos em pleno arbítrio!

Cerca de um ano e meio mais tarde, em finais de Outubro de 2014, depois de pelo menos uma vez por mês de calvário do Professor de Direito Fiscal procurar informar-se da decisão do recurso apresentado à Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Lisboa datado de Julho de 2013 (e oposição ao processo de execução fiscal no mesmo mês), com longas esperas de cada vez que se deslocava, fomos informados de que tinha sido dado provimento favorável à nossa contestação.

Os milhares de euros que tinham sido penhorados pelos bancos, foram-nos imediatamente disponibilizados, mas os mais de 3 mil euros penhorados de dívida do fisco, quase um ano mais tarde, hoje, ainda não nos foram devolvidos. 

Este facto relaciona-se com o seguinte:

Administramos uma pequena sociedade familiar vitivinícola. Pequena, mas que dá muita despesa!

Somos Produtor-Engarrafadores e como tal, por imperativo legaI (brio e convicção: preservação das características e qualidade), só engarrafamos o vinho que produzimos.

Há "bandoleiros" na região do Douro, região que conhecemos bem, (somos pequenos produtores vitícolas há 25 anos),aos quais recusamos associar-nos, que nos últimos anos, depois da actual crise de 2008, conseguem comprar a pipa de vinho a 75 euros (e menos), quando os custos de produção rondam, segundo dados oficiais, em cerca de 600 euros. Ainda nos finais dos anos 90, se vendia a pipa-550litros- sem benefício, a cerca de 500 euros, e com benefício (autorizada a fazer vinho do Porto), a 1000 euros: os pacóvios dos serviços oficiais ufanam-se com o sucesso da nossa vitivinicultura.

Conseguem, desta feita, baixar dramaticamente os preços do vinho engarrafado, competindo deslealmente com os que se mantêm produtores-engarrafadores. agora reduzidos, compreensivelmente, a uma teimosa raridade! (Os produtores engarrafadores só podem engarrafar o vinho produzido nas próprias propriedades).

Numa empresa, na nossa situação, quando há dificuldades de tesouraria, e os juros do crédito, que rareia, ultrapassam, geralmente, os 10%, entram os provimentos dos sócios.

Os nossos, são os nossos filhos. Daí, ser o casal que põe as solas de molho!

No mês de Abril e Maio estávamos francamente mal de tesouraria, depois de termos feito mais dois hectares de vinha que considerávamos indispensáveis para a nossa sociedade. Não conseguimos pagar a segurança social dos trabalhadores.

Conseguimos, contudo, liquidar as dívidas à segurança social no mês de Julho.

Em meados do mês de Julho, ficamos a saber que o Ministério da Agricultura nos tinha cortado o acesso ao gasóleo verde (este é mais barato nos trabalhos agrícolas). Estávamos a triturar vides e erva seca para preparar a vindima e assim tornando a vinha transitável aos vindimadores.

E mais uma vez sem aviso prévio?O Estado é caloteiro e não se rala nada com isso; mas é implacável com os cidadãos.

Constatar que os portugueses não se preocupam muito com a corrupção e a fuga ao fisco, deve ser compreendido num contexto de organismos estatais perversos na relação com os cidadãos. Na tradição inquisitorial, absolutista, miguelista, trauliteira, fascista que a democracia ainda não soube mudar (ou não quer mudar), o estado conserva a tradicional hostilidade para com os cidadãos.

O striptease que, contrafeitos, nos dispusemos fazer, (e apenas escolhemos dois exemplos!) é para compreendermos porque é que os portugueses são benevolentes para com a corrupção e a fuga ao fisco: por reactividade à nefasta hostilidade do Estado!

É, todavia, mais pertinente e eficaz, procurar mudar o estilo do estado, do que a compreensível "cultura anarquizante" dos cidadãos. É mais fácil combater o fenómeno a partir do Estado, desde que se faça um diagnóstico acertado, de como este "caldo de cultura" se mantem, do que dar à "cultura" dos cidadãos costas largas.

Aqui chegados, teve o Professor de Direito Fiscal a promessa de que o calote do estado me seria pago (sem juros, obviamente! O que é escandaloso e um verdadeiro roubo se comparáramos com os procedimentos do Estado, em relação às dividas dos cidadãos) até finais de Julho de 2015: o que não foi feito.

Em face a esta situação enviámos aos serviços de segurança social um email (dia 31 de agosto) intimando-os: ou pagarem o que devem até à proxima segunda-feira, dia 7 de setembro, ou iniciamos um processo de greve de fome que envergonhará, nacional e internacionalmente, os serviços sociais portugueses.

Já imaginaram o que seria um movimento colectivo de greve da fome pela parte dos roubados do BES?

 

 

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