Ordem preocupada com número de médicos que está a abandonar o país

Depois do encontro com o Presidente da República que decorreu nesta terça-feira, bastonário diz que “seria um milagre” se austeridade não estivesse a afectar “negativamente” acessibilidade e capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde.

Foto
O bastonário da Ordem dos Médicos não teve respostas do ministério Enric Vives-Rubio

A Ordem dos Médicos foi recebida nesta terça-feira pelo Presidente da República a quem demonstrou preocupação com a emigração de médicos e com os cortes no sector, que estão a dificultar o acesso dos utentes aos cuidados de saúde. “Os portugueses vão continuar a sentir a falta de médicos, porque os médicos estão a emigrar. É preciso dar condições aos médicos para se fixarem em Portugal”, defendeu o bastonário da Ordem, José Manuel Silva, à saída da reunião.

O Presidente da República, Cavaco Silva, recebeu a Ordem dos Médicos para cumprimentar a nova direcção e José Manuel Silva aproveitou para alertar não só para os cortes na área da saúde, mas também para as condições de trabalho dos médicos que estão a conduzir à emigração. “Nós temos médicos de elevadíssima qualidade, reconhecidos em toda a Europa e que emigram com facilidade. Aliás, os países ditos da Europa mais desenvolvidos vêm activamente a Portugal recrutar especialistas portugueses”, disse o bastonário que considera “lamentável” que, “sendo necessários aos doentes portugueses”, esses médicos estejam a emigrar “por falta de condições de trabalho em Portugal”.

José Manuel Silva garante que “esta nova realidade” está “a condicionar” a acessibilidade dos portugueses ao Serviço Nacional de Saúde, “por falta de recursos médicos” e vai “agravar-se no futuro”. Mesmo admitindo que há especialidades nas quais faltam médicos, José Manuel Silva defende que o problema se explica pelo facto de muitos estarem a emigrar e de outros se reformarem mais cedo e não porque se estejam a formar menos profissionais em Portugal: “Nós não estamos a formar médicos a menos. Estamos neste momento a sofrer a confluência de duas circunstâncias que são o facto de ter havido uma excessiva redução no numerus clausus há muitos anos atrás, e que agora já está sobrecompensada, e por os médicos estarem a reformar-se cerca de 10 anos mais cedo, por força da fórmula de cálculo das reformas que penaliza quem continuar a trabalhar mais tempo”, explicou, defendendo mesmo que neste momento a formação de médicos está “acima das necessidades do país para o futuro”.

O que é preciso, defende, não é formar mais, mas fazer com que os profissionais não saiam do país: “Nós queremos fixar os médicos em Portugal. Para isso, o Governo tem de dar condições de trabalho e naturalmente condições remuneratórias para os médicos se fixarem em Portugal, porque os doentes portugueses precisam dos médicos portugueses”, sublinhou.

Apesar de não ter dados concretos sobre esta emigração médica, o bastonário acredita que é uma realidade crescente e vai continuar a aumentar: “Há cada vez mais médicos a emigrar. Nós não temos dados numéricos, mas o número de médicos que pede as certidões na Ordem para poder emigrar para a Europa é em número crescente. E nós vamos ter, de facto, esta situação paradoxal: estarmos a formar médicos a mais, gastar milhares de milhões de euros em formação médica, altamente qualificada e especializada, para depois emigrar para a Europa”, alertou.

Para o bastonário, apesar de ter sido “profundamente desqualificado em Portugal”, o trabalho médico “é extraordinariamente bem-vindo, respeitado, e desejado no centro e no norte da Europa”: “Os médicos portugueses vão-se formar em Portugal com qualidade e vão emigrar para o centro e para o norte da Europa. É preciso que se pare este fluxo que está em crescendo, para os médicos portugueses terem condições para se fixarem em Portugal e tratarem com qualidade os doentes portugueses”, defendeu.

Os cortes e o acesso ao SNS

Os cortes na área da saúde, designadamente nos orçamentos dos hospitais, foi outra das preocupações apresentadas pelo bastonário ao Presidente da República. “O Serviço Nacional de Saúde está a sofrer a austeridade que está a ser imposta ao país”, disse José Manuel Silva para quem “os cortes que têm sido impostos às instituições” e a “limitação de orçamentos” têm levado “a que os hospitais tenham dificuldade em responder à procura dos cidadãos, nomeadamente não contratando os recursos humanos que necessitam”. Estes problemas reflectem-se não só, alertou, em áreas como a oncologia - nos institutos portugueses de oncologia -, mas também nas urgências de vários hospitais onde, por exemplo durante períodos como o Inverno, há “maior afluxo de doentes”, fazendo com que não sejam atendidos “com a celeridade e com a qualidade que era necessária”.

O bastonário não tem dúvidas de que a austeridade se reflecte “negativamente na acessibilidade e na capacidade de resposta no Serviço Nacional de Saúde”: “Seria um milagre se isso não acontecesse”, nota. Entre outros problemas abordados, estiveram também as listas de espera, “as dificuldades de funcionamento nos serviços de urgência”, e a limitação no acesso “a alguma medicação”.

Como aspectos positivos, José Manuel Silva destacou a redução do custo com os medicamentos e o combate às fraudes na saúde: “Há uma medida positiva de combate à fraude e à corrupção na área da saúde que nós só lamentamos que não seja extensível a outros sectores da governação da sociedade e da economia”, afirmou.

Concursos

Os critérios dos concursos para a abertura de vagas para os médicos foi outro tema abordado no encontro.

O bastonário defende que os concursos devem ser abertos e não fechados, porque o facto de serem fechados apenas permite que concorram médicos que “terminaram [a formação] numa determinada época de exame relativa à abertura de concurso” e não todos os que desejem concorrer. “É uma situação que é prejudicial à fixação dos médicos no interior do país”, alerta o responsável, recordando que o Ministério da Saúde recebeu um parecer jurídico da Provedoria da Justiça a "considerar ilegais os anteriores concursos fechados e instar à reposição da legalidade”.

O ministro da Saúde, Paulo Macedo, anunciou este ano a abertura de um concurso para 200 médicos em medicina geral e familiar, “tentando abranger aqueles que estão fora do Serviço Nacional de Saúde, pessoas que tenham tirado o seu curso fora e nunca tenham entrado no Serviço Nacional de Saúde ou que estejam no privado e queiram vir para o sector público”.

O bastonário já tinha dito que os médicos concordavam com a medida e que ela decorria de uma proposta que a própria Ordem tinha feito ao ministro no sentido de pedir “um concurso aberto externo” para especialistas em medicina geral e familiar que estão fora do Serviço Nacional de Saúde, para poderem regressar ou concorrer pela primeira vez e contribuir para a redução das listas de pessoas sem médicos de família. Apesar de concordar com a medida anunciada, o bastonário ressalva que ainda não é suficiente e solicitou “a sua extensão às especialidades hospitalares”.

 

Sugerir correcção
Comentar