Nova bastonária e sócio acusados de defenderem partes contrárias no mesmo conflito

Queixosa pede suspensão não inferior a cinco anos. Ordem dos Advogados ainda está a instruir processo.

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Elina Fraga foi eleita em Novembro nova bastonária da Ordem dos Advogados Nuno Ferreira Santos

A recém-eleita bastonária dos advogados, Elina Fraga, e o seu sócio de escritório são acusados por uma cliente de defenderem partes contrárias num processo relacionado com uma herança.

A queixosa fala em conflito de interesses e imputa a Elina Fraga falta de independência, violação do segredo profissional, total omissão na defesa dos seus interesses e uma total falta de prestação de informações, tendo pedido à Ordem dos Advogados que aplique uma pena de suspensão não inferior a cinco anos aos dois causídicos.

Contactada pelo PÚBLICO, Elina Fraga, preferiu não prestar declarações sobre o caso, lembrando apenas que o processo ainda está numa fase inicial, não havendo sequer uma acusação contra si. “Não presto declarações sobre processos disciplinares”, afirmou a advogada, que toma posse como bastonária a 10 de Janeiro.

A participação, datada de 30 de Julho do ano passado, começa por descrever detalhadamente as dificuldades da economista Cândida Loureiro em contactar Elina Fraga, que havia contratado em Novembro de 2010 para a representar num litígio contra dois dos seus irmãos por causa da herança dos pais.

A economista conta que em Março do ano seguinte a irmã mais velha, cabeça de casal da herança, a impediu de passar um fim-de-semana com mais duas das suas irmãs na casa dos pais, em Mirandela, onde Elina Fraga tem escritório, o que a fez marcar uma reunião de urgência com a advogada. Nessa altura, a vice-presidente da Ordem dos Advogados pediu à cliente uma provisão de 975 euros, 500 dos quais para intentar uma providência cautelar destinada a evitar que a situação se repetisse. Desde então, relata, seguiram-se inúmeras tentativas de contacto e e-mails sem resposta. Em Junho a economista, que reside em Lisboa, voltou a Mirandela e conseguiu marcar uma reunião com a advogada, tendo ficado a saber, com três meses de atraso, que afinal Elina Fraga decidira não avançar com a providência cautelar.

A economista diz ter mostrado nessa data a Elina Fraga a cópia da relação de bens apresentada pela irmã mais velha, que lhe fora disponibilizada por outra herdeira, e informado a sua defensora das omissões e inexactidões que havia identificado. Uns dias mais tarde enviou à advogada um e-mail com uma relação adicional de bens para apresentar no tribunal. “E continuei, meses a fio, a tentar falar com a dra. Elina Fraga, para saber notícias do meu processo”, lê-se na participação a que o PÚBLICO teve acesso.

Em Outubro, Cândida Loureiro é notificada do arquivamento de uma queixa-crime que fizera contra os dois irmãos. Entre outras razões, porque os bens que acusava os irmãos de terem retirado de uma propriedade sua não constavam do inventário que tinha sido entregue em tribunal e, dizia o procurador, o mesmo não havia sido alvo de qualquer reclamação. A cliente conta que continuou a tentar contactar a advogada sem sucesso, até ao dia que uma das suas irmãs lhe telefonou a dizer que tinha recebido um aviso para comparecer na conferência de interessados a 16 de Novembro de 2011, em Mirandela.

Sem saber se se devia ou não deslocar a Mirandela, a economista voltou a insistir nos contactos com Elina Fraga, tendo apenas conseguido que uma amiga sua advogada que se ia encontrar com a vice-presidente da Ordem num congresso lhe trouxesse um recado a dizer para não fazer a viagem, porque não iria haver conferência de interessados.

Uma das irmãs ligou-lhe mais tarde a dizer-lhe que a diligência não se tinha realizado porque Elina Fraga só nesse próprio dia havia entregue a reclamação da relação de bens que lhe enviara Cândida Loureiro quatro meses e meio antes. O juiz não gostou do atraso nem da justificação apresentada pela advogada, de que tudo se devia a um erro informático da sua responsabilidade, e condenou a parte a pagar uma multa de mais de 200 euros.

“Assim como não me tinha informado que havia sido marcada a conferência dos interessados, a dra. Elina Fraga também nunca me informou, nem antes nem depois da data marcada para a conferência, de que não tinha apresentado no processo a relação adicional de bens, que eu lhe havia enviado por e-mail a 29 de Junho de 2011”, escreve Cândida Loureiro.“Ou seja, foi reiteradamente omissa na defesa dos meus interesses e na prestação da informação que me era devida”, queixa-se. Mas só no ano passado Cândida Loureiro teve conhecimento de todos os dados: “Qual não é a minha surpresa e indignação quando tomei conhecimento, através das minhas irmãs, que o sócio da minha advogada, utilizando a mesma sala, o mesmo telefone, a mesma telefonista, a mesma tabuleta colocada a porta da sala do escritório e a mesma tabuleta colocada no exterior do edifício onde a sociedade tem sede é, afinal, o advogado da cabeça de casal”. Ou seja, da sua irmã mais velha, com quem disputava a herança.

A queixosa diz que sóe ntão se “fez luz” no seu espírito e compreendeu a conduta da sua advogada, tendo de imediato revogado a procuração que tinha conferido a Elina Fraga e solicitado igualmente que o sócio da advogada também fosse afastado da defesa da familiar, o que nunca veio a acontecer.

Ao PÚBLICO, Cândida Loureiro garante ter sido “imensamente prejudicada” neste processo, que entretanto já terminou. “Tinha-lhe confidenciado os bens que queria e os valores que estava disposta a pagar para ficar com eles”, realça a queixosa, sublinhando que acredita que as informações chegaram àsua irmã mais velha. A economista, que chegou a trabalhar com processos disciplinares na Inspecção-Geral de Educação, assegura que só conheceu Elina Fraga quando a contratou, porque o seu sócio era um advogado conhecido em Mirandela, e quando se dirigiu ao escritório de ambos a defensora lhe disse que um ou outro era a mesma coisa. Assegura que até hoje Elina Fraga não lhe devolveu os 975 euros que lhe pagou, nem nunca lhe apresentou contas.

A queixa levou à abertura de um processo disciplinar na Ordem dos Advogados, sabendo a reclamante que o mesmo se encontra em fase de instrução, tendo já sido ouvidas todas as testemunhas apresentadas por si. Aos advogados está vedada a possibilidade de representarem dois ou mais clientes quando existir conflito entre os seus interesses, impedimento que, no caso das sociedades, abrange quer o escritório quer cada um dos seus membros.

 

Elina já foi condenada pela Ordem
Elina Fraga já havia sido condenada pela Ordem dos Advogados em dois outros processos, o que a podia ter impedido de se tornar bastonária. Mas numa providência cautelar que interpôs para suspender a pena disciplinar de censura que lhe foi aplicada pelos seus colegas de profissão o Tribunal de Mirandela deu-lhe razão. A acção principal pode, porém, vir a ter outro desfecho. Um destes casos tem contornos similares ao da herança da economista que se relata no texto acima: uma cliente queixou-se de que, em 2007, pagou mil euros a Elina Fraga para esta lhe tratar de uma questão relacionada com uma propriedade, em Mirandela, nunca tendo a advogada, que acabou por devolver o dinheiro, dado andamento ao processo. Apoiante de Elina Fraga, o ainda bastonário Marinho e Pinto, sempre disse que as penas disciplinares aplicadas eram ilegais, constituindo uma tentativa dos seus adversários internos na Ordem de impedir que a advogada lhe sucedesse no cargo.

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