Na praça o saco de plástico ainda é rei

Até chegar às batatas, nem me ocorrera que o carrinho de compras não vai bastar para a nova conjuntura ecológica do país. Desde que me conheço como consumidor, levo-o sempre à praça. E trago-o de volta cheio de legumes, verduras, frutas e outros víveres, envoltos em sacos de plástico.

Sim, porque se há local onde os ditos sacos integram o tecido comercial, como parte inerente ao processo, é no mercado. É com eles que os artigos se isolam da oferta a granel, seleccionados pelos compradores  em subgrupos de eleitos. É com eles também que o comerciante procede à pesagem. E, por fim, são os sacos que evitam que cebolas se misturem com morangos, ou alhos com diospiros, ou filetes de pescada com alheiras.

A plastificação do comércio nas praças é um dado de tal forma adquirido que só nas batatas é que me lembrei da taxa que prometia varrer do país os sacos. “Se não os dou, os clientes não compram nada”, justificou o senhor rotundo que me abastece do tubérculo.

- E está a pagar a taxa?

- Qual taxa, qual carapuça – respondeu-me. – Mas estes sacos saem-me mais caro. São mais grossos.

Noutros cantos do festival hortifrutigranjeiro que é um mercado na Primavera a cena era a mesma. Muitos comerciantes foram sugados pela genial estratégia da indústria, que está a evitar o novel imposto vendendo agora sacos com espessura superior a 50 milésimos de milímetro – a inalcançável medida que distingue os que levam e os que não levam com a taxa em cima. A fiscalidade verde neste caso ficou cinza: continuam a usar-se os sacos, consome-se mais petróleo em cada embalagem e o dinheiro que ia entrar nos cofres públicos afinal vai para a indústria do plástico.

- Antes vendiam-nos à unidade. Agora é ao peso – explicou a mulher das laranjas, que por cada tonelada de fruta dispensa dez quilos de plástico. – E há clientes que se queixam, dizem que os novos é que rasgam – prosseguiu, demonstrando a inabalável tendência humana para o queixume.

Contrariamente aos hipermercados, na praça a transição para um mundo sem sacos de plástico é mais complexa. Atirar tudo para dentro do carrinho é uma alternativa incompleta, de natureza caótica. Trazer de casa uma embalagem para cada item, embora possível, choca com a imprevisibilidade da oferta. E nalguns casos vai ser mesmo difícil substituir o saco.

Onde eu meteria, por exemplo, a corvina de 1,2 quilos adquirida no último sábado? O magnífico representante da ictiofauna nacional passou pelas hábeis mãos da peixeira e pelo caldo de bactérias que é a sua bancada de trabalho, antes de ser metido num primeiro saco de contenção, transparente, e num segundo para o transporte, com alças. Bem poderiam ser reaproveitados. Mas um saco a cheirar a peixe é inlavável, a não ser à custa de doses extras de água e detergente, o que anula o putativo benefício da reutilização.

Ainda retornaremos aos jornais para embrulhar as bananas, solução com mérito para combater a crise na imprensa. Há, no entanto, um local do qual os plásticos não irão desaparecer de todo: das feiras de roupa, onde a compra continua a seguir um ritual próprio. Depois de se encontrar o que se deseja sob pilhas babelescas de vestimentas, a aquisição é formalizada pela colocação do produto num saco, entregue ao consumidor com as alças amarradas.

Aqui, indagar se a taxa está a ser paga é o mesmo que perguntar a um vendedor ambulante se dispõe de técnico oficial de contas. Na feira da roupa, o saco de plástico é a factura, ponto final. 

Sugerir correcção
Ler 8 comentários