Mulheres que façam aborto vão pagar taxa moderadora de 7,75 euros

Direcção-Geral da Saúde defende que valor a pagar não pode levar mulheres a recorrer à auto-medicação

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Só em 2010 houve 4651 repetições de aborto Foto: Nelson Garrido

Uma mulher que interrompa voluntariamente a gravidez, ao abrigo da lei do aborto, vai pagar 7,75 euros de taxa moderadora no futuro. Este é o valor equivalente a uma consulta de especialidade hospitalar. O Ministério da Saúde decidiu seguir o parecer da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que aponta neste sentido e levar em conta apenas "o acto médico em si”, ficando “tudo o resto isento”, explicou o gabinete do ministro Paulo Macedo. As mulheres isentas de taxas moderadoras por insuficiência económica ou outros motivos não pagam qualquer quantia.

Para poder operacionalizar esta alteração à lei do aborto aprovada em Julho no Parlamento, o ministério pediu um parecer à DGS e ontem adiantou à Lusa que decidiu “dar seguimento” à recomendação de que a taxa moderadora corresponda “ao valor de uma consulta de especialidade”, ficando desta forma isentos os restantes procedimentos.

“Nós não indicamos qualquer valor. O que recomendamos é que [a IVG] fosse taxada de uma forma coerente. Para operacionalizar esta alteração de forma justa, sugeriu-se que, no momento em que é concretizada a interrupção, fosse aplicada a taxa equivalente a uma consulta de especialidade hospitalar”, explicou ao PÚBLICO Lisa Vicente, responsável pela Divisão de Saúde Sexual, Reprodutiva, Infantil e Juvenil da DGS. 

O valor final tem uma explicação. Apesar de nos serviços de saúde públicos a maior parte das IVG serem feitas com medicamentos, sem necessidade de cirurgia, nas unidades privadas (a que o Estado recorre por não ser capaz de dar resposta a todos os pedidos) os abortos são quase todos cirúrgicos. No ano passado, por exemplo, 69,2% dos abortos foram feitos com medicamentos. 

Tendo em conta que as IVG são feitas de diversas formas, uma decisão que não depende das mulheres, “não podíamos atribuir um valor diferente” consoante as situações, esclareceu Lisa Vicente. Mas o que mais pesou no parecer da DGS foi o objectivo de evitar que as mulheres passem a recorrer à auto-medicação nestes casos. “É importante que não seja mais barato comprar medicamentos [para abortar] do que fazer a IVG” assistida nos serviços de saúde, sublinhou.

O Ministério da Saúde frisou também que o que se pretende é “assegurar e promover um planeamento familiar informado, efectivo e seguro, sem comprometer o acesso à saúde, evitando futuras interrupções voluntárias de gravidez clandestinas e evitando também um retrocesso nesta matéria”.

O pagamento de taxas moderadoras por parte das mulheres que abortem até às dez semanas de gravidez, acto médico até agora isento por se enquadrar nos cuidados de saúde materno-infantis, foi introduzido através de um projecto de lei apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP e aprovado em 22 de Julho passado, no último plenário da actual legislatura, apesar dos protestos da oposição e de um intenso debate no Parlamento.

A coligação aproveitou quatro das normas da iniciativa legislativa dos cidadãos “Pelo direito a nascer”, nomeadamente a da introdução do pagamento de taxas. A proposta do Governo, que só será operacionalizada depois de a lei entrar em vigor, garante que todo o acompanhamento médico até ao acto da interrupção da gravidez é gratuito, bem como a consulta posterior ou consulta de seguimento.

A proposta foi terça-feira enviada ao Presidente da República para promulgação e depois terá que ser publicada. Cavaco Silva tem agora oito dias para requerer a sua fiscalização preventiva, e, se não o fizer, tem até ao fim do mês para o promulgar ou vetar. “É necessário ainda que seja produzida a modificação do enquadramento jurídico”, lembra Lisa Vicente.

Além do pagamento de taxas moderadoras, foram aprovadas no Parlamento em Julho outras alterações à lei do aborto. Passou a ser obrigatório o aconselhamento psicológico e social e as consultas de planeamento familiar no caso das mulheres que recorrem a este acto e foi também aprovada uma alteração do estatuto do objector de consciência, o que significa que os médicos que até agora ficavam fora dos processos de IVG podem participar nas consultas . Mas muitas propostas da petição caíram, como a da obrigação de a mulher assinar a ecografia antes de fazer o aborto.

Aprovada em Abril de 2007, a lei da IVG permite a interrupção da gravidez, por opção da mulher, até às 10 semanas, desde que o acto seja realizado em estabelecimentos oficialmente reconhecidos. Entre 2008 e 2013 houve um decréscimo de 1,6% do número de abortos por opção da mulher e, em 2014, acentuou-se a tendência decrescente - menos 9,5% em relação ao ano anterior.

No ano passado, realizaram-se 16.589 abortos por todos os motivos, 97% dos quais por opção da mulher, o número mais baixo de que há registo desde que o aborto por opção da mulher foi despenalizado. Em sete anos, foram feitas 133.098 IVG ao abrigo da lei.?

Oposição estranha “pressa eleitoralista”
Os primeiros a propôr a introdução do pagamento de taxas moderadoras nos casos de interrupção voluntária de gravidez a pedido da mulher, os signatários da petição “Pelo Direito a nascer”, não põem em causa o valor definido pelo Ministério da Saúde.

O objectivo era o de "tentar moralizar uma situação que é discriminatória face a outros actos médicos", justifica João Paulo Malta, para quem o Ministério da Saúde "tem total autonomia para definir o valor" final. Isilda Pegado, da Federação Portuguesa pela Vida, afirma igualmente que "não se pronuncia sobre valores" porque o que se pretendia era "que o aborto deixasse de ser equiparado à maternidade".

O anúncio do valor da taxa moderadora em caso de IVG foi, porém, muito criticado. Regina Marques, do Movimento Democrático de Mulheres, condenou o que disse ser a pressa do Governo em taxar "um direito". Ouvida pela TSF, disse mesmo acreditar que, no futuro, esta decisão irá ser considerada inconstitucional e defendeu que os deputados não devem ficar de braços cruzados.

Também o PS e Bloco de Esquerda puseram em causa a "pressa eleitoralista" na aprovação desta medida e estranharam que o anúncio do valor da taxa tenha sido feito antes de a própria legislação ser publicada.

Já o PCP voltou a condenar a cobrança de taxas nesta situação.  “Mais do que a questão do valor, o que está aqui em causa é a questão de princípio e foi exactamente isso que PSD e CDS e o Governo agora apressadamente procurou concretizar”,  afirmou à Lusa a deputada do PCP Paula Santos, sublinhando que as taxas moderadoras “constituem um bloqueio no acesso aos serviços públicos de saúde”. com Lusa

Notícia corrigida às 17h55 para alterar o valor da taxa moderadora de 7,5 para 7,75 euros
 

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