Centenas de pessoas manifestaram-se em Lisboa pelo fim dos “matadouros municipais”

Activistas dos direitos dos animais juntaram-se este sábado em Lisboa para protestar contra a “política de abate” praticada nos canis e gatis municipais. Defenderam também que o cão que matou a criança em Beja não seja abatido.

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Enric Vives-Rubio

Muitas das pessoas que iam chegando ao Largo da Academia Nacional das Belas Artes em Lisboa empunhavam cartazes a favor dos direitos dos animais: “Contra os abates nos canis” e “Entre a brutalidade para com o animal e a crueldade para com o homem, há só uma diferença, a vítima” são apenas dois exemplos. O largo estava cheio de frases semelhantes, numa concentração que reuniu algumas centenas pessoas: 250, segundo a polícia; perto de 500, de acordo com a organização do protesto, a Associação ANIMAL.

Pessoas de todas as idades, de vários pontos do país e de várias associações de defesa dos direitos dos animais, juntaram-se, primeiro, em frente à Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e, depois, em frente ao Ministério do Ambiente, na Praça do Comércio. Pediram mais direitos para os animais, mais fiscalização, exigiriam que se acabe com os abates nos canis municipais e defenderam, entre muitos outros aspectos, uma política de esterilização de cães e gatos.

“Não queremos mais matadouros municipais”, “queremos a mudança, basta de matança” foram alguns dos slogans que se ouviram em frente à DGVA. Havia activistas de associações do Algarve, Guimarães, Fafe e Porto, entre outros pontos do país.

Devido ao frio, os manifestantes deixaram o largo rumo à Praça do Comércio, não às 18h como previsto, mas às 17h15. Uma vez em frente ao ministério, onde permaneceram em vigília e onde acenderam velas para “homenagear todos os animais que já foram mortos nos canis e os que ainda serão”, gritaram: “Este ministério tem de ser mais sério”.

Ainda no Largo da Academia Nacional das Belas Artes, Rita Silva, presidente da associação ANIMAL, explicou, de megafone em punho, que o objectivo da manifestação passa por defender “todos os animais, mas sobretudo aqueles que têm a infelicidade de ir parar aos canis e gatis municipais e que ficam à responsabilidade do Estado português, que não tem sido uma pessoa de bem e que, em vez de os proteger, os mata”. Sublinhou que há “excepções, municípios que fazem um bom trabalho, mas a regra não é essa”.

“Temos um projecto de uma nova lei de protecção dos animais que pretende que, em vez de serem recolhidos e mortos, sejam recolhidos, tratados, esterilizados e adoptados. Este Estado tem sido pouco actuante. E queremos protestar contra a inoperância deste organismo aqui [DGVA] que está no ‘top 5’ dos organismos mais incompetentes de Portugal”, reforçou Rita Silva.

O caso do Zico
A dirigente desta associação acrescentou ainda, referindo-se ao caso do cão que matou a criança em Beja, que o protesto não é apenas para defender este animal que está a aguardar uma decisão final sobre o seu abate: “Não estamos aqui por causa do cão que está no canil de Beja, mas por todos os que são vítimas da miséria que são os canis municipais”, disse.

Ao PÚBLICO, garantiu que a associação a que preside vai continuar a lutar para que o cão não seja abatido, usando todos os mecanismos legais à disposição. A ANIMAL interpôs uma providência cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja para travar o abate, à qual teve resposta positiva, embora provisória. O abate acabou por ser suspenso por ordem judicial, até que haja uma ordem final sobre este caso, que ficou ao abrigo do Tribunal Criminal, dado que decorre em simultâneo um processo contra a família do menino, proprietária do cão. Segundo a presidente da ANIMAL, a associação está a tentar constituir-se como assistente no processo e aguarda resposta a um requerimento para visitar o animal. Segundo Rita Silva, todos os dias “chovem” telefonemas, mensagens, e emails para a associação para saber como está a situação do Zico (nome do cão).

Entre os cartazes, havia também fotografias de cães de raças consideradas potencialmente perigosas com a seguinte legenda: “Para o Estado Português sou um alvo a abater.” E havia quem pedisse “a libertação do Zico”. Gisela Fraga, designer gráfica de 27 anos, da Associação Senhores Bichinhos e da Maranimais, foi do Porto até Lisboa para se manifestar “em primeiro lugar” contra o abate nos canis municipais e “em segundo lugar” para que o Zico, que “não tem culpa de nada”, não seja abatido.

Todos os manifestantes ouvidos pelo PÚBLICO se mostraram contra o abate do animal que matou uma criança de 18 meses em Beja: “Espero que não seja abatido porque a responsabilidade foi dos donos e o cão não tem de pagar por isso”, disse Sofia Cunha, 30 anos. Armando Frade, desempregado de 47 anos, e membro da Associação Ecologista e Zoófila de Alzejur, também entende que abater o cão “não vai resolver problemas [idênticos] no futuro” e defende antes uma fiscalização mais apertada sobre as condições em que as pessoas têm os animais.

O PAN – Partido pelos Animais e pela Natureza, também marcou presença no protesto. Orlando Figueiredo, vogal da direcção nacional, disse ao PÚBLICO que estava ali para alertar para a necessidade de se reconhecer aos animais personalidade jurídica, para que deixem de ser considerados “coisas” à luz da lei e para que as entidades competentes assegurem que o abandono e os maus-tratos são “punidos criminalmente”.

Quanto ao caso que marcou a actualidade, Orlando Figueiredo lamentou a “tragédia” – a morte da criança -, mas defendeu que “as responsabilidades” devem ser atribuídas ao tutor do animal: “Espero que o cão não seja abatido e seja entregue a uma pessoa responsável”.

Nova lei
A presidente da ANIMAL garante que a associação não vai descansar enquanto não for discutido o projecto, apresentado por esta associação, para uma nova lei de protecção dos direitos dos animais: “Queremos a alteração do estatuto jurídico do animal. Não pretendemos que tenha estatuto de humano, porque não o é, mas queremos que seja considerado um ser vivo com interesses e digno de direitos”, frisou.

Rita Silva teceu duras críticas aos actuais canis municipais, defendendo que “a maioria são modelos dos anos 50 que não funcionam”: “Cabem meia dúzia de animais, são sítios inóspitos, não têm respeito pelo que os animais precisam. E nós queremos que se perceba que não devem ser matadouros municipais”, notou.

Isabel Moura, 43 anos, assistente administrativa, de Lisboa, lamenta que, sobretudo em tempos de crise, as pessoas critiquem os defensores dos direitos dos animais: “O facto de sermos pelos direitos dos animais não significa que não nos preocupamos com as pessoas. Agora, o abandono e a crueldade para com os animais incomodam-me”.

“O Estado tem as mãos sujas de sangue”, “Abandono é crime”, e “Animais como nós, direitos como nós”, eram outras das frases que se liam nos cartazes e faixas. 

Notícia actualizada às 21h com testemunhos de manifestantes

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