Faltam psiquiatras em Odemira, um dos concelhos com maior taxa de suicídio

Apesar de a necessidade de ter quatro psiquiatras na Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano estar identificada, nos concursos as vagas ficam sempre por preencher

Odemira é um concelho apontado pelos especialistas como tendo uma das maiores taxas de suicídio não só a nível nacional como mundial. Embora com variações, de ano para ano, os números mantêm-se altos. Segundo dados do Observatório do Suicídio e Para-suicídio do Baixo Alentejo, em 2011, Odemira registou 30,7 suicídios por 100 mil habitantes, contra 9,6 da média nacional. Em 2012, subiu para 46,5.

Há vários factores que poderão explicar as taxas. Odemira é o maior concelho do país em extensão territorial e com uma grande dispersão populacional. Nas quatro freguesias visitadas pelos técnicos d’ A Vida Vale e da Unidade de Saúde Móvel da Unidade de Cuidados na Comunidade de Odemira estão referenciadas 382 pessoas a viver em isolamento. Em termos técnicos, o conceito de isolamento refere-se a pessoas com mais de 65 anos que vivem em aglomerados com menos de 10 habitações.

De acordo com os inquéritos que fizeram, a média de idades destas pessoas é 76,6 anos — 31,9% vivem completamente sozinhas.

Na região, para se ir de um monte para outro, percorrem-se estradas, quando não caminhos, de quilómetros. Há pessoas que vivem em casas sem luz (8,6%), sem casa de banho (36,3% não tem, nem dentro de casa nem no exterior), sem telefone (24,4% não tem e 24,1% tem mas não sabe ligar). Quase dois terços (64,7%) não têm água canalizada nem torneiras em casa e 84% é analfabeta.

São pessoas que trabalharam sobretudo na terra e, mesmo vivendo sozinhas, não querem sair dali. Os filhos vivem longe, em centros urbanos, por vezes no estrangeiro.

Há dificuldades para se deslocarem dos montes ao centro de saúde ou ao hospital. Com transportes públicos escassos, recorrem a boleias ou, então, pagam dezenas de euros de táxi. Há quem nunca tenha ido ao médico. E quem tenha 80 anos e diga que a última vez que o fez foi na tropa.

Mais de um quarto das pessoas que estes técnicos visitam são polimedicadas, mas, até eles terem chegado, algumas não reviam a medicação havia mais de 10 anos.

Esta é também uma zona com baixa religiosidade, onde o suicídio é por vezes encarado como uma solução para acabar com a vida quando ela parece já não fazer sentido. Os homens usam mais caçadeiras ou enforcam-se. As mulheres atiram-se a poços. "Há pessoas que têm o vizinho mais próximo a dois ou três quilómetros. Uma pessoa idosa dentro de casa à noite começa a imaginar certas coisas. É o isolamento. Agora já vigiámos, andámos mais em cima da pessoa, é diferente", diz o motorista da carrinha da unidade de saúde móvel, César Guerreiro.

O director do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direcção-Geral de Saúde (DGS), Álvaro de Carvalho, explica que o suicídio é um fenómeno multifactorial, mas que, no caso de Odemira, as elevadas taxas de suicídio não serão alheias ao facto de haver idosos com doença crónica incapacitante a viver sozinhos. "São zonas desertificadas, com uma grande solidão", acrescenta.

Actualmente, Odemira está integrada na Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano (ULSLA). Apesar de a necessidade de ter quatro psiquiatras estar identificada, nos concursos as vagas ficam sempre por preencher e a ULSLA continua sem psiquiatra no corpo clínico. O que existe é um psiquiatra do Centro Hospitalar de Setúbal que se desloca uma vez por semana, alternadamente, a Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines.

Os doentes de Odemira que precisem de ir ao psiquiatra têm de se deslocar até Sines. Em situações agudas, são encaminhados para o Centro Hospitalar de Setúbal e, em situações crónicas, esse encaminhamento é feito para unidades de tratamento especializadas em Psiquiatria e Saúde Mental de Lisboa.

Álvaro de Carvalho ressalva, porém, que "a maioria das pessoas com problemas de saúde mental recorre aos clínicos gerais e não ao psiquiatra", sendo por isso importante apostar nas sensibilização destes profissionais, bem como enfermeiros e assistentes sociais, para que saibam reconhecer os sinais de alerta.

Se a tudo isto juntarmos as dificuldades que estas pessoas têm para se deslocarem até ao centro de saúde ou qualquer outro sítio, Álvaro de Carvalho defende que projectos como A Vida Vale podem "fazer a diferença". Apesar de cotado na Bolsa de Valores Sociais (BVS), o projecto A Vida Vale conseguiu arrecadar poucos apoios através deste instrumento, tendo ido buscar financiamento sobretudo à DGS.

Bolsa tem reunido pouco dinheiro

Desde que foi criada, em 2009, a BVS portuguesa tem ficado aquém das expectativas na angariação de verbas para financiar projectos sociais. No primeiro ano, conseguiu 250 mil quando a meta eram 500 mil; este ano ficou-se pelos 100 mil euros. O fundador da bolsa, Celso Grecco, atribui os baixos valores à crise e não à falta de solidariedade dos portugueses.

A BVS reproduz o ambiente e o funcionamento de uma bolsa de valores, mas o investimento é feito em projectos sociais. “Qualquer pessoa pode tornar-se uma investidora social, mas apenas organizações sociais podem ter projectos cotados nesta bolsa”, diz. Apesar do conceito ter despertado interesse, no primeiro ano, a bolsa ficou aquém das expectativas. No total, desde que foi criada, em 2009, reuniu dois milhões de euros. Celso Grecco não esconde que os números o deixam frustrado, mas não o fazem desistir. Este ano, porém, a BVS decidiu suspender a cotação de novos projectos para se focar apenas na viabilização dos já cotados. Depois disso, deverá voltar a admitir a admissão de novos projectos.

Desde 2009, em 50 projectos, sete foram 100% financiados exclusivamente com recursos dos investidores sociais da bolsa e 27 foram-no através do Fundo Caixa Fã, uma parceria com a Caixa Geral de Depósitos. 
 

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