Estado deve acompanhar jovens em risco após saída da instituição

Em 2013 havia 8445 crianças e jovens em instituições de acolhimento. Investigador do Instituto de Psicologia Cognitiva da Universidade de Coimbra defende maior atenção à sua transição para a vida adulta.

O Estado devia continuar a acompanhar os jovens em risco quando saem das instituições de acolhimento, designadamente na procura de emprego e de casa, à semelhança do que acontece com as vítimas de violência doméstica, defende um estudo. "O acompanhamento pós-institucional tem que ser uma realidade", sublinha a investigação "Os desafios da autonomização - processos de transição para diferentes contextos de vida, segundo jovens adultos ex-institucionalizados".

O autor, João Pedro Gaspar, trabalha há mais de 10 anos em instituições de acolhimento para crianças e jovens em risco e percebeu as dificuldades que os jovens têm após a saída da instituição. Na sua tese de doutoramento, o investigador do Instituto de Psicologia Cognitiva da Universidade de Coimbra procurou compreender, na perspectiva dos jovens, a influência da vivência institucional no desenrolar da sua vida adulta e na forma como organizam o percurso de vida. Para isso recorreu a uma base de dados com 100 jovens adultos que viveram mais de dez anos em instituições, seleccionando 26 para a investigação.

Como momentos marcantes, os jovens apontaram a entrada e saída do lar, o abandono da família, e as amizades que fizeram na instituição. Uma autonomização brusca, sem uma rede de contactos familiares ou outros, tende a ser percepcionada pelos jovens como uma "transição negativamente marcante" e a principal responsável por uma "vida adulta sem um rumo definido nem uma integração social adequada", refere o estudo.

João Pedro Gaspar adianta que muitos destes jovens não têm o apoio que tanto necessitam na altura de arranjar emprego, um fiador para alugar uma casa, entre outras situações sociais e económicas. Por isso, defende, o Estado devia continuar a acompanhá-los nesta fase através de redes de apoio ou de um "suporte interventivo" que actuasse ao nível da habitação ou do acesso ao mercado de trabalho, "como se alvitra fazer para as vítimas de violência doméstica". "Trata-se de um investimento preventivo, pois a mendicidade e delinquência", com passagens por casas-abrigo ou vivendo na rua, "não podem ser alternativas válidas para quem na infância foi confrontado com o lado amargo da vida", salienta.

Sobre a saída do lar, os jovens dizem que se sentiram livres por deixarem o que os "tolheu", mas também angustiados pela insegurança e revolta provocada pelo abandono que sentiram por parte de quem os acolheu. "É o abandono que sentiram nas famílias e depois de quem os criou", diz o investigador, explicando que eles sentem que a casa deixou de ser deles, porque nem sempre são bem recebidos quando a visitam.

Já a saída da família para o acolhimento institucional é, muitas vezes, vista pelos jovens, como uma punição: "Em diversas ocasiões nunca chegam a perceber o motivo que originou tal penalização, daí a suprema importância" de estabelecer relações de confiança com adultos de referência que consigam "desconstruir" estas percepções. 

Mas também há "aspectos muito gratificantes" como as amizades que criam com os companheiros e, "em casos excepcionais com alguns cuidadores", que são fulcrais na preparação para a saída. O investigador defende que seria necessário criar uma casa de acolhimento inicial, que funcionasse como "porto de abrigo" quando as crianças são "arrancadas à família", e outra que prepararia intensivamente os jovens para uma vida independente.

O mesmo estudo revelou que a entrada no lar é recordada por muitos como o momento "mais negativo", que ainda hoje causa pesadelos e mal-estar. "Lembro-me como se fosse hoje, (...) fiquei naquela casa grande com gente desconhecida que me metia medo e que não me transmitia a calma da minha mãe. Foi horrível! Ainda hoje sinto o cheiro e os sons que me atormentavam", conta um dos participantes.

"Num tempo em que a crise social deixa tantas crianças e jovens sem a protecção devida, importa reflectir sobre a preparação para a vida adulta, nos casos em que os menores são 'arrancados' às famílias e ficam anos à guarda do Estado, em instituições de acolhimento", diz à agência Lusa o autor desta investigação, João Pedro Gaspar.

O acolhimento inicial ocorre numa altura de "fragilidade emocional", provocando "natural angústia e desespero", sendo muitas vezes relatado como revolta por viver longe da família. Para muitos, é mesmo "a transição mais negativa que vivenciaram", observa o investigador.

Comparativamente com outros países da União Europeia, Portugal tem uma grande variedade nas ofertas de acolhimento, centrando-se a esmagadora maioria em lares de infância e juventude e em centros de acolhimento temporário, contrastando, por exemplo, com o Reino Unido onde a maior parte das crianças em risco é abrigada por famílias de acolhimento. Actualmente, para cerca de metade dos casos, a saída da instituição só ocorre após os 15 anos, sendo o regresso ao meio natural de vida o principal destino. Em 2013, havia 8.445 crianças e jovens em instituições de acolhimento, segundo a Segurança Social.

Sugerir correcção
Comentar