Dona Branca morreu há dez anos

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Morreu sem glória, sem povo e sem milhões há exactamente uma década, vitimada por uma trombose, esquecida e abandonada numa clínica lisboeta, aos 80 anos. Maria Branca dos Santos, a célebre "Banqueira do Povo", saiu do confortável e tranquilo anonimato em que vivia, em meados da década de 80, depois de os jornais descreverem com abundantes pormenores as actividades parabancárias a que se dedicava há algumas décadas. A entrevista ao semanário "Tal & Qual" em Fevereiro 1984 foi o pontapé de saída de um processo que apenas acabou com a sua condenação e morte.

Num Portugal fustigado por um prolongado período de austeridade, a organização de Dona Branca assemelhava-se a um revigorante oásis. A promessa de juros de dez por cento ao mês era uma irresistível tentação num país que atravessava uma profunda crise e ainda não recuperara da queda do Império. Milhares de portugueses acorreram aos diversos escritórios da organização espalhados por Lisboa. Era o princípio do fim: no Verão de 1984, Dona Branca acabou por descarrilar e perder o controlo do império que montara, o que a levou à cadeia, em conjunto com dezenas de colaboradores e deixou de mãos a abanar centenas e centenas de depositantes que protestavam, desesperados, à porta da sede da organização.

Portugal espertalhaço

Foi um processo que atravessou a década de 80 e que simbolizou na perfeição o Portugal espertalhaço e pacóvio de então. Condenada no Tribunal da Boa Hora a dez anos de prisão pelos crimes de associação de malfeitores, burla agravada e emissão continuada de cheques sem provisão (foram quase duas mil as queixas apresentadas na Polícia Judiciária), Dona Branca morreu na madrugada de 3 de Abril de 1992, numa clínica lisboeta, abandonada pelos protegidos, a que carinhosamente chamava "afilhados" ou "sobrinhos". Nascida em 1911 no típico bairro lisboeta da Mouraria, Maria Branca dos Santos ainda bordou e vendeu muitas colchas antes de aprender com uma vizinha o negócio dos "empréstimos ao dia". Começou com trinta escudos (uma quantia fabulosa em 1926), mas nos anos 80 a sua organização já valia muitos milhões (quando a sua actividade foi descoberta existiam depósitos no valor de cinco milhões de contos). Dona Branca deixou, porém, para a posteridade a imagem de uma mulher simples. "Enfim, uma mulher do povo que chora com os que choram e ri com os que riem", como se descreveu numa das múltiplas entrevistas que concedeu.

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