Desemprego grisalho numa zona cinzenta

Não são apenas os jovens que estão a emigrar. Há uma geração, entre os 50 e 60 anos, de malas aviadas.

O que têm em comum Carlos Martins, 57 anos, Alexandre Neves, 52 anos, e Dalila Moura, também ela 57 anos? Fazem parte de um grupo de portugueses que ainda não chegou à idade de reforma, com vontade de trabalhar, mas sem emprego em Portugal. Estão de malas aviadas e têm uma estratégia: trabalhar fora uns dez anos, para conseguir pagar dívidas ou os estudos dos filhos.

Carlos Martins diz que no mês passado, depois de pagar a conta do gás, ficou com 28 cêntimos na conta bancária. Quer ir para Angola, o tempo escasseia, e diz que tem a impressão de que está a jogar contra a idade. Alexandre Neves diz que é um workaholic, mas que o mercado não tem trabalho para lhe oferecer. Quer rumar à Irlanda, já que até o subsídio de desemprego deixou de receber. A Dalila Moura falta-lhe dez anos para a reforma: “Tenho 57 anos, mas 57 mil sonhos para realizar.” E quer emigrar para Timor ou Macau, ter um emprego e realizar os tais 57 mil sonhos.

Carlos, Alexandre e Dalila, cujas histórias são contadas hoje na revista 2, ajudam a compor as estatísticas do desemprego. Compram um bilhete de ida, são riscados da população activa e ajudam a disfarçar as estatísticas do desemprego. Basta olhar para os números do INE desta semana. A população entre os 15 e os 65 anos diminuiu em mais de cem mil indivíduos em 2013, o que indica um forte papel da emigração no processo de ajustamento do mercado. Cansaram-se, deixaram de poder esperar ou desesperaram e partiram. Vão à procura do que não encontram cá. Porque a espera pode ser longa. Dos 826,7 desempregados em Portugal, 525 mil são de longa duração. E, do total, 258,5 mil têm mais de 45 anos. Esta frase de Bagão Félix resume o drama desta geração que vive numa zona cinzenta: “Todos sabemos que quanto mais longo for o desemprego, mais tempo se fica nele. Há uma zona de terra de ninguém em que não há protecção social e as pessoas ficam mais tempo no desemprego.”

O mais dramático em tudo isto é que a maioria dos desempregados nessa faixa etária não voltará a encontrar trabalho em Portugal. A crueldade desta frase é respaldada pelas estatísticas da Comissão Europeia que mostram que o desemprego em Portugal não vai recuperar quando terminar a recessão. Os números de Bruxelas dizem que o nível de desemprego estrutural – ou seja, a taxa de desemprego “normal” num cenário em que a economia não está nem a produzir abaixo das suas potencialidades, nem acima – já superou a fasquia dos 15%. Isso mostra que o desequilíbrio da economia não é apenas financeiro, mas também estrutural. E, como dizia ontem Guilherme d'Oliveira Martins, o ajustamento vai demorar 20 anos a fazer. Provavelmente já não vamos a tempo de mudar as prioridades da economia (e reforçar a aposta e a qualificação nos sectores de bens transaccionáveis) para dar trabalho ao Carlos, ao Alexandre e à Dalila. Mas ainda vamos a tempo de criar condições para que os seus filhos e netos, alguns dos quais fazem parte dos 35,7% de jovens no desemprego, não vejam a emigração como a única porta de saída.
 
 
 
 
 

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