CP vendeu 6,5 milhões de "meios-bilhetes" a crianças e idosos

Governo prepara-se para pôr fim às viagens com 50% de desconto.

Foto
As viagens com desconto representam 8,8% das receitas da CP nos serviços regional e de longo curso Daniel Rocha

O secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, anunciou que os “meios-bilhetes” nos transportes públicos iriam acabar, mas para a CP as viagens com 50% de desconto vendidas a jovens e idosos representam 8,8% das suas receitas nos serviços regional e de longo curso. Em 2012 foram vendidos 6,5 milhões de meios-bilhetes.

A empresa não possui estudos de elasticidade da procura em relação ao preço para os segmentos jovem e idosos, pelo que desconhece se a abolição desse desconto redundaria num aumento da receita por estes passarem a pagar mais ou se, pelo contrário, cairiam as receitas a pique à míngua de passageiros que passariam para outros modos de transporte.

O PÚBLICO apurou, no entanto, que a percepção existente na empresa é a de que o fim dos meios-bilhetes se traduziria em menos receita devido à diminuição do número de viagens. Esta situação teria mais impacto no serviço regional e de longo curso onde jovens e idosos optam pelo comboio porque nos autocarros não usufruem dos mesmos descontos. Tal acontece mesmo em percursos onde o comboio é mais lento do que o autocarro pois muitos seniores optam pela CP porque não têm desconto na Rede de Expressos.

Historicamente sempre houve o meio bilhete de criança no caminho-de-ferro em Portugal. O desconto de 50% para idosos é posterior ao 25 de Abril, inicialmente apenas para quem adquirisse um “cartão dourado” que custava 60 escudos (30 cêntimos). Mais tarde o processo foi simplificado e basta agora que o passageiro se identifique como tendo mais de 60 anos.

Existem, no entanto, dúvidas acerca de a CP ser obrigada ou não a acabar com os descontos pois, apesar de actualmente haver um decreto-lei que a obriga a esse compromisso social com crianças e jovens, nada impede que esta o mantenha no âmbito da sua política comercial. De resto, a transportadora pública já hoje faz reduções a funcionários de empresas com as quais tem acordos comerciais, negoceia preços especiais para passageiros transportados para eventos e até tem em vigor um desconto de 40% para determinados dias no Alfa Pendular.

Manter ou não os meios-bilhetes é, pois, uma decisão da sua administração. Excepto se o accionista — o Estado — interferir na sua gestão e obrigar a administração a acabar com esses descontos.

No ano passado, Portugal chegou a ser condenado nas instâncias comunitárias porque os estatutos da CP não ofereciam garantias de autonomia face ao poder político, o que obrigou à sua alteração. Contra isto está o facto de a empresa não ser uma sociedade anónima de capitais públicos, mas sim uma empresa pública tout court que é tutelada pelo accionista. E este — nem que seja por via política dando orientações claras aos gestores — pode mandar e alterar aquilo que entender.

Os meios-bilhetes da CP não têm paralelo no único operador ferroviário de passageiros privado — a Fertagus — que pratica descontos de 25% para crianças até aos 12 anos e para idosos com mais de 65 anos. O Estado não dá qualquer compensação à empresa por esta conceder estes benefícios sociais, mas a verdade é que do contrato de concessão fazia parte a promessa de praticar tarifas reduzidas para jovens e reformados.

De 1999 a 2012 esse desconto foi de 50% (tal como na CP), mas a partir de 2012, devido a alterações legislativas impostas pelo actual governo, a Fertagus decidiu reduzir esse desconto para 25%, o que não deixa de se enquadrar no compromisso de cobrar tarifas mais baixas a estes dois tipos de público.

Com a liberdade de que dispõe para mexer nos preços dos bilhetes — respeitando, no entanto um tarifário médio acordado na concessão — a empresa introduziu uma prática inovadora de conceder descontos de 25% para desempregados.

Nos autocarros, todos os operadores rodoviários são obrigados por lei a fazer descontos de 50% para crianças dos quatro aos 12 anos, mas quanto aos idosos não há nada que imponha qualquer tipo de reduções.

Tarifários na Europa: Descontos imediatos ou só com cartão
Em Espanha as crianças dos quatro aos 13 anos e os idosos e pensionistas têm, grosso modo, descontos de 40% nas viagens sobre carris. Há excepções: estes últimos têm de ser titulares de um cartão dourado (que custa 5,15 euros por ano) e vêem o desconto baixar para 25% às sextas, sábados e domingos nos comboios de alta velocidade.

Na Alemanha, os idosos têm também de adquirir um cartão que custa 127 euros por ano, mas que dá direito a reduções de 50% em toda a rede. Os jovens até aos 14 anos pagam metade do bilhete, mas se viajaram acompanhados dos pais, não pagam nada.

Mais complicado é o sistema holandês onde há descontos diferenciados para quem tem mais de 60 anos e mais de 65. Aqui as crianças até aos 11 anos só pagam 2,50 euros em qualquer viagem de comboio se acompanhadas por adultos. Sozinhas têm uma redução de 40%.

A França tem o tarifário para idosos e crianças mais parecido com o português: até aos 14 anos e depois dos 60 só se paga meio bilhete. Contudo os idosos deverão munir-se de um cartão que custa 80 euros por ano para poderem usufruir do desconto de 50%.

Nestes países e nestas empresas — todas estatais — a política de descontos é decidida pelos respectivos gestores no âmbito de estratégias comerciais e de responsabilidade social. O Estado não interfere.
 

Sugerir correcção
Comentar