Associação vai criar gabinete e grupo de ajuda mútua para vítimas de violação

“Em Portugal não há nenhum serviço especializado na área da violação e as vítimas chegam pouco às organizações não-governamentais”, refere responsável da Associação de Mulheres contra a Violência.

Foto
O Ministério da Justiça pretende extinguir tribunais em 57 municípios Daniel Rocha

Estavam dentro do carro, no meio de uma avenida com trânsito, e houve algo que fez aquela mulher recordar a violação. “Saiu do carro e começou a andar no meio do trânsito. Teve uma crise de pânico e não conseguiu ficar confinada. Basta uma cor, um som, um cheiro”. É a directora da Associação de Mulheres contra Violência, Maria Shearman de Macedo, quem conta este episódio, notando que as vítimas de violação têm de ter apoio especializado para ultrapassarem o trauma, diferente daquele que existe para as vítimas de violência doméstica.

No início do próximo ano, a associação vai abrir um pequeno gabinete para este tipo de vítimas e está a formar um grupo ajuda mútua, disse esta sexta-feira ao PÚBLICO, à margem da 4.ª Conferência Internacional de Sobreviventes de Violação, que está a decorrer em Lisboa.

“Em Portugal não há nenhum serviço especializado na área da violação e as vítimas chegam pouco às organizações não-governamentais”. O Estado português assinou um documento internacional, a Convenção de Istambul, que entrou em vigor em Agosto deste ano, em que se compromete a criar uma série de serviços especializados para as sobreviventes de violação, explica. Porque o Estado nunca assumiu esse papel, a associação decidiu avançar com “uma semente” de um centro de apoio -  a convenção define que exista um por cada 200 mil mulheres, refere. O gabinete para este tipo de vítimas funcionará em Lisboa e contará apenas com duas técnicas, na área do direito e do apoio psicológico.

A associação tem duas casas-abrigo e um centro vocacionado para ajudar mulheres vítimas de violência doméstica, em que se colocam questões tão diversas como a autonomia financeira depois de terem de sair de casa, a necessidade de garantir a sua segurança. No caso da violência sexual coloca-se “mais uma intervenção em stress pós-traumático, é muito trabalho de trauma, é lento". "É uma mulher com um ataque de pânico que precisa de falar às 5 da manhã", constata. “Muitas destas mulheres ficam fechadas em casa, os seus sintomas são por vezes confundidos com depressão”. A associação está ainda a criar um grupo de ajuda mútua para que estas mulheres possam partilhar experiências e ajudarem-se umas às outras.

Maria Shearman de Macedo defende que Portugal está numa altura de transição, pelos compromissos internacionais que assumiu, defendendo que a violação passe a crime público, para que não seja preciso a apresentação de uma queixa. A responsável diz que esta questão é importante sobretudo “para responsabilizar o Estado”.

A outra questão é a necessidade de mudar o enquadramento legal do crime. “É uma urgência mudar a definição do crime. Para ser considerada violação tem de haver violência", nota. “Quando a mulher não resiste, fica paralisada, algo que tem a ver com reacções psicológicas e de sobrevivência, se não tem nódoas negras não há prova de que o crime é violação”. Não basta não haver consentimento, quando deveria bastar, defende a responsável. Na sua opinião, este acto explica que em Portugal “as condenações em tribunal sejam residuais”.

O Bloco de Esquerda apresentou, em Setembro, ao Parlamento um projecto de lei nesse sentido, que está a aguardar agendamento para ser debatido, informa o grupo parlamentar. Propõe-se que a violação passe a acontecer quando alguém "sem consentimento, expresso por qualquer meio, constranger outra pessoa à prática de actos sexuais não previstos.” A proposta do partido refere que a média europeia de condenações é de 14%.

O último Relatório Anual de Segurança Interna, de 2013, registou 344 queixas de violação apresentadas às forças de segurança, em 2012 tinham sido 375 queixas - 25% contra membro da família, 34% contra conhecidos das vítimas e 24% contra estranhos.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários