Proposta do Governo gera polémica sobre o “fim social” e o lucro no negócio dos funerais

Servilusa não vê problema no facto de as IPSS poderem fazer funerais, desde que “sem a lógica de lucro”. Em 2012, o negócio das funerárias movimentou 189 milhões de euros.

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As ossadas estão a ser recolhidas no Cemitério de Agramonte, no Porto Paulo Pimenta

O presidente da Associação Nacional das Empresas Lutuosas (ANEL), Carlos Almeida, lamenta que a ANEL não tenha sido ouvida no âmbito da proposta de lei que prevê que as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) possam fazer funerais e garante que está a preparar um documento para entregar à Comissão de Economia e Obras Públicas e aos grupos parlamentares por considerar que “globalmente é muito má”. Se este dirigente questiona a razão pela qual as IPSS poderão passar a fazer funerais, a CNIS garante que o objectivo não é o "negócio".

Nesta quarta-feira, a proposta do Governo que pretende simplificar e desburocratizar o regime de acesso e de exercício de várias actividades de comércio, serviços e restauração vai ser discutida na generalidade na Assembleia da República.

Entre outros aspectos, prevê que a actividade funerária possa ser exercida também pelas IPSS ou entidades equiparadas, como as misericórdias, estipulando que nestes casos se devem reger pelos Estatutos das IPSS, pelo Código das Associações Mutualistas e “demais legislação específica aplicável às entidades de economia social”. Do regime de incompatibilidades definido pelo diploma ficam excluídas “as IPSS cujo enquadramento estatutário acolha o exercício da actividade funerária”.

Carlos Almeida considera que a proposta não é clara e recorda que a ANEL foi uma das proponentes, em 2001, do regime que obriga as funerárias a terem um funeral social, com um valor que não chega a 400 euros, para responder às necessidades dos mais carenciados. Por isso, não entende por que razão as IPSS querem agora prestar os mesmos serviços: “O sector social descobriu agora que também quer exercer a actividade funerária. Até 2001, não estavam lá a garantir este serviço social. Será que servir as pessoas socialmente desprotegidas é o único intuito?”, questiona, temendo que venham a “prestar todo o tipo de serviços”, o que considera injusto, porque têm “regalias” ao nível de impostos e subsídios que as funerárias não têm. O dirigente não põe “em causa” que as IPSS “possam vir para o sector” e fazer funerais, mas sublinha que, como têm estatutos que “não visam o lucro”, o devem fazer apenas com objectivos sociais e com recurso a “cotizações próprias”.

O presidente da Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade (CNIS), Lino Maia, esclarece que o objectivo destas instituições não é o “negócio”, mas apenas perseguir um “fim social” junto do “público-alvo das IPSS”: “São pessoas que muitas vezes não têm retaguarda da família. Trata-se de proporcionar um funeral condigno, não de concorrência”, garante.

Já Paulo Carvalho, director de projectos e activos da Servilusa, uma das maiores do sector, ressalva que não lhe faz confusão que as IPSS façam funerais, desde que “sem a lógica de lucro”. “Tendo em conta a conjuntura económica, o facto de poderem exercer actividade neste nicho de mercado, com fins sociais, até pode ser positivo”, diz, adiantando que o preço médio de um funeral em Portugal ronda os 1500 euros.

Segundo dados do INE, em 2010 havia 1178 empresas ligadas a actividades funerárias e, nesse ano, o volume de negócios foi cerca de 179 milhões de euros. Em 2011, havia 1167 empresas e o volume de negócios rondou os 180 milhões. Em 2012, havia 1141 empresas e o volume de negócios era cerca de 189 milhões.

A proposta do Governo tem gerado polémica. A Associação de Agentes Funerários de Portugal já veio defender que abertura deste ramo de negócio ao sector social “é incompatível com a dignidade e a isenção que se pretende para o sector”. “Com que mais beneficia a entidade? Com a prestação dos cuidados ou com o falecimento?”, questiona. Já os presidentes da União das Mutualidades Portuguesas, da União das Misericórdias e da Confederação das Instituições de Solidariedade defendem que “a actividade funerária foi praticada normalmente durante séculos” por estas instituições e saúdam “o regresso a este tipo de actividade”.

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