"Sou muçulmano mas não sou terrorista"

Alunos rezaram em Bragança contra atentados terroristas em Paris. "Quisemos demonstrar que as religiões não se guerreiam mas se juntam pela paz e pela tolerância”, explicou ao PÚBLICO o sacerdote.

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Imagem de arquivos de muçulmanos a rezarem BULENT KILIC/AFP

Primeiro o silêncio. Depois uma oração do Islão, seguida de um católico Pai Nosso. As diferentes religiões presentes no Instituto Politécnico de Bragança (IPB) uniram-se, na sexta-feira à tarde, numa oração conjunta pela paz e tolerância, num exemplo de convivência entre diferentes credos e culturas.

O momento foi promovido pelo capelão do IPB, o padre Calado Rodrigues, católico, e contou com a presença de dezenas de pessoas, na sua maioria cristãos, mas também muçulmanos e budistas.

“Como temos um espaço inter-religioso e intercultural e sabemos que este problema de confronto, de desentendimento de pessoas, às vezes é-lhe colado o rótulo de guerra entre religiões. Quisemos demonstrar que as religiões não se guerreiam mas se juntam pela paz e pela tolerância”, explicou ao PÚBLICO o sacerdote.

O momento de oração foi precedido de um pedido pela paz feito em dez línguas, simbolizando a diversidade cultural que tem tomado conta daquela instituição do Nordeste Transmontano.

Dos cerca de sete mil alunos que frequentam actualmente o IPB, cerca de 1200 são estrangeiros, tendo já sido constituída, na ano passado, uma associação que os representa. “É sempre interessante ver tantas religiões diferentes, com ideologias tão distintas, e rezarem pela paz e pela tolerância”, frisou Eduardo Fernandes, brigantino de gema e um dos representantes da associação. O crescente aumento da população estrangeira no universo do IPB tornou o instituto mais “cosmopolita, com uma imensidão de culturas, de línguas”. “Mas conseguimos conviver todos com a nossa diferença e está aqui uma bela imagem disso”, garante.

Prova disso foi o facto de pelo menos três religiões diferentes terem feito questão de estar representadas, num momento de oração raro, por acontecer, em simultâneo, no mesmo espaço.

Alexandre Ximenes era, apesar do embaraço, um dos mais animados pela ideia. Timorense, de 19 anos, acredita que esta “cerimónia é muito boa para juntar os amigos de outras religiões”. “Para juntos conseguirmos a paz que o mundo precisa.” Por isso não vê qualquer problema em estar lado a lado com diferentes credos. “Viemos rezar pela tolerância e pela paz no mundo”, lembrou.

Lado a lado, o grupo encheu praticamente três das quatro paredes de um espaço que ameaça tornar-se exíguo. Deniz Ak, um dos cinco estudantes turcos que há quatro meses vieram para Bragança, reforça a mensagem da paz e tolerância e lembra que os muçulmanos “não são terroristas”. “Vivemos todos juntos, estudamos todos juntos, temos aqui muitas nacionalidades e religiões e é bom fazer isto porque as nossas religiões são irmãs. Rezamos no mesmo edifício o que é muito bom”, garante.

Apesar de não ver muitas notícias, não se sentiu tratado de forma diferente depois dos atentados em Paris, até porque Bragança é uma cidade acolhedora. "Na Europa, as outras culturas olham para nós [muçulmanos] como terroristas. Sou muçulmano mas não sou terrorista. Somos tolerantes, acreditamos na paz”, sublinha.

Do seu ponto de vista, o que está em causa não é uma guerra de religiões. “Acho que é uma questão económica e política. Mas não gostamos que olhem para nós como terroristas. Não matámos ninguém. Também somos humanos.”

Já o seu colega Muzaffer sentiu alguma estranheza, ao início, até porque na Turquia estava habituado a rezar apenas entre muçulmanos. “Mas, na Europa, há mais religiões, como o cristianismo ou o judaísmo. Isso tornou-me diferente. A minha mente é, agora, mais aberta”, garante.

No entanto, confessa que se sentiu ofendido com as caricaturas de Maomé. Mesmo assim, também não concorda com os actos de violência perpetrados em nome do Islão. “As pessoas andam a matar-se por causa de religiões. Cristãos matam muçulmanos, muçulmanos matam cristãos. Não é correcto, porque somos todos humanos e estamos cá para viver em conjunto e em harmonia”, frisa, defendendo, no entanto, que deveria haver mais respeito pela religião de cada um, tal como “pediu o vosso Papa”. “Gozaram com o nosso profeta e isso não é justo. Mas não acredito que, por causa disso, devessem morrer. Quem fez isso não era do Islão, porque o Islão não permite matar assim. Eles estavam a gozar e senti-me muito zangado. Aquilo não foi correcto. Mereciam alguma punição mas não a morte”, sublinhou ao PÚBLICO.

Mais tranquilo, o sírio Ima Tsued, há cerca de um ano em Bragança, lembra que “todas as religiões querem a paz no mundo”. Por isso, participou nesta oração para “dizer que a [sua] religião quer paz e não quer problemas”. “Na Síria, até os muçulmanos estão contra as ideias do Estado Islâmico. Não representam o Corão nem as ideias muçulmanas”, conclui.

Tanta diversidade deixou sensibilizado o presidente do Instituto. Sobrinho Teixeira promoveu a criação do espaço inter-religioso e, “com os últimos acontecimentos, torna-se ainda mais importante”. “Desejamos aumentar ainda mais o número de estudantes estrangeiros e, ao haver esta diversidade de religiões, de raças, de mentalidades, de culturas, é uma obrigação nossa”.

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