Agentes da polícia que trocavam passes por dinheiro tentam apagar pistas

Inspecção-Geral da Administração Interna segue com atenção averiguações da PSP sobre esquema fraudulento enquanto inquérito decorre no Ministério Público.

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A fraude proporcionava a muitos polícias dos concelhos de Setúbal, Almada e Seixal um complemento salarial. Também no Porto foram detectados casos Daniel Rocha

Algumas dezenas de polícias, que durante anos trocaram os passes de transportes que lhes pagava a Polícia de Segurança Pública (PSP) por dinheiro, estão a tentar apagar o rasto da fraude pedindo segundas vias destes títulos de transporte.

O objectivo é dissimular o facto de há muito tempo não usarem os passes, informação que fica registada no chip do cartão. Vários agentes alegaram ter perdido o título de transporte para requerer segunda via, enquanto outros estão a pedir o passe Lisboa Viva pela primeira vez, já que nunca o tiveram.

Conforme o PÚBLICO noticiou em Maio , o esquema fraudulento proporcionava a muitos polícias dos concelhos de Setúbal, Almada e Seixal um complemento salarial. Todos os meses entregavam a requisição de passe que lhes era fornecida pela PSP nas bilheteiras da Transportes Sul do Tejo (TST), em Cacilhas, cujos funcionários as trocavam não pelo carregamento dos títulos de transporte, como era suposto, mas por dinheiro, ganhando com essa transacção uma comissão. Por um passe de 109 euros, por exemplo, pagavam 89, guardando 20 para si. Lucravam todos – excepto os cofres da PSP, ou seja, o erário público.

Na sequência da divulgação deste esquema fraudulento, o Ministério Público desencadeou um inquérito, tendo a PSP, por seu turno, aberto paralelamente um processo de averiguações. O caso suscitou também a atenção da chamada polícia dos polícias, a Inspecção-Geral da Administração Interna, que acompanha as diligências a decorrer no seio da corporação para apurar o que se tem passado nos últimos anos através da direcção nacional da PSP.

A fraude incluirá pelo menos mais uma transportadora da área metropolitana de Lisboa, sendo também praticada na área metropolitana do Porto, embora com contornos diferentes. Aqui, é prática comum os agentes carregarem os passes de familiares ou vizinhos, usando as requisições com que deviam carregar os seus. Questionada pelo PÚBLICO, a direcção nacional da PSP informou que não desencadeou nenhum processo de averiguações no Porto. Estarão, no entanto, a ser escrutinadas eventuais fragilidades do sistema de requisições dos passes. Tanto os agentes da polícia como os da GNR beneficiam de passes gratuitos até um limite de 50 quilómetros de distância entre a sua residência e o local de trabalho.

Em vez de os ilibar, a tentativa dos polícias da Margem Sul de apagar o rasto da fraude pode acabar por  comprometê-los ainda mais: os carregamentos dos passes ficam registados nas respectivas operadoras, e não apenas no chip do cartão do passageiro, o que significa que será fácil para as autoridades que estão a investigar o caso perceber que títulos de transporte têm ou não sido carregados com regularidade.

Para o Sindicato Unificado de Polícia, a troca dos carregamentos dos passes por dinheiro é perfeitamente legal. “Não há nenhuma fraude, nem nenhuma ilegalidade. É o mesmo que ir às compras com a senha de refeição: o Estado não é lesado”, defendeu o líder do sindicato, Peixoto Rodrigues. Mas esse não foi o entendimento do Ministério Público, ao abrir o inquérito.

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