A Saúde – do eficaz controlo orçamental à necessária reforma

Para que a Saúde se desenvolva, é necessário que essas medidas restritivas comecem a ser redefinidas visando uma estratégia de médio prazo e já não a situação de emergência que vivemos.

Portugal tem hoje um conjunto de instituições de investigação na área da Saúde de grande nível internacional, com alguns investigadores a publicarem artigos nos mais qualificados meios do setor. Tem também uma rede assistencial – pública e privada – que funciona globalmente bem, proporcionando indicadores de Saúde (como, por exemplo, esperança média de vida e mortalidade infantil) que são muito bem comparáveis com o que se faz na Europa e no Mundo. Tem ainda algumas empresas – da síntese químico-farmacêutica, da indústria farmacêutica, do dispositivo médico e start-ups – que assumiram uma visão global e têm proporcionado a crescente internacionalização do setor.

Nos últimos cinco anos, as exportações da Saúde cresceram 65%, tendo ultrapassado em 2013, pela primeira vez, os mil milhões de euros. Nos primeiros seis meses de 2014, face ao período homólogo, cresceram mais 17%.

Mas a principal característica deste setor é o seu grande potencial de desenvolvimento. Nos últimos anos o Health Cluster Portugal – associação que reúne cerca de 140 destas instituições – tem procurado motivar o conhecimento recíproco dos seus membros, incentivando as iniciativas conjuntas e de perspetiva global. Alguns projetos inovadores têm surgido no mercado e outros aparecerão a curto e médio prazo.

Este setor está agora a iniciar uma fase de divulgação, sobretudo em alguns mercados selecionados, da boa Saúde que se faz no país no sentido de facilitar a internacionalização dos projetos nacionais e de desenvolver novas oportunidades na área do turismo de Saúde, dadas as interessantes características geográficas, climáticas, hoteleiras e também assistenciais que Portugal tem.

A recente legislação relativa a ensaios clínicos veio criar condições mais favoráveis ao desenvolvimento de novos projetos e abrir perspetivas para a recuperação de um ambiente de investimento, mesmo por parte de empresas internacionais. Assim sejam, na prática, criadas condições para um funcionamento competitivo, relativamente ao que acontece nos restantes países europeus.

Será necessário, contudo, ter em atenção o facto de este setor ter sido alvo nos últimos anos de medidas restritivas muito fortes, que têm condicionado a sua atividade. O setor ambulatório do medicamento, por exemplo, viu a sua faturação ser administrativamente reduzida em cerca de um terço, mantendo mais ou menos as mesmas quantidades de produtos vendidas. Por isso, muitas empresas tiveram prejuízos, sendo obrigadas a despedir nos últimos três anos cerca de 2500 pessoas. Por isso, as empresas internacionais retiraram de Portugal muitos projetos inovadores e as nacionais foram obrigadas a retardar outros.

Também o setor da distribuição e das farmácias, que servia apropriadamente as populações, foi alvo dessas medidas. Atualmente mais de metade das farmácias vivem em situação difícil, o que se traduz na existência de stocks deficientes de medicamentos de utilização generalizada, obrigando os portugueses a lá voltarem, para poderem ver as suas receitas devidamente aviadas.

Assim, para que a Saúde se desenvolva, concretizando o seu enorme potencial, é necessário que essas medidas restritivas – que, apesar de terem sido das mais pesadas no país, tiveram a compreensão dos visados, que procuraram ajustar-se à situação – comecem a ser redefinidas visando uma estratégia de médio prazo e já não a situação de emergência que vivemos. As empresas farmacêuticas e do dispositivo médico, as farmácias e os distribuidores precisam de ter margens razoáveis, que lhes permitam investir apropriadamente para sobreviverem e se desenvolverem.

Em simultâneo, espera-se também que a reforma na área hospitalar, que tem vindo a ser estudada e preparada nos últimos anos, seja implementada. Os cuidados continuados precisam de um maior investimento, a bem-sucedida implementação das Unidades de Saúde Familiar deverá ser continuada e é necessário, desse modo, criar condições para uma medicina preventiva cada vez mais efetiva. Importa racionalizar a oferta hospitalar existente, promovendo a identificação dos Centros de Referência Clínica e melhorando a articulação com a rede dos cuidados primários, sem esquecer a imperiosa interoperabilidade dos sistemas de informação.

Quero acreditar que o atual Governo será capaz de implementar essa algo complexa reforma, imprimindo as melhorias que o nosso sistema de Saúde precisa, com o apoio generalizado dos profissionais do setor e num diálogo inteligente com os autarcas.

Se foi importante para o país um bem-sucedido controlo do orçamento de Saúde, mais importante será, agora, a concretização da necessária reforma, em benefício, sobretudo, dos reais interesses de Saúde da população, mas também da criação de condições para um funcionamento mais eficaz e competitivo do setor, o que, de novo, beneficiará os reais interesses de Saúde da população.

Presidente do Health Cluster Portugal e presidente não-executivo da Bial

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