A publicidade é protegida pela liberdade de expressão

O humor é um contributo válido para o debate público.

Aqui há uns anos na Alemanha, os cigarros Lucky Strike tiveram uma campanha publicitária muito divertida e eficaz em que misturavam acontecimentos e personagens da actualidade com os próprios maços de tabaco.

Duas figuras públicas “apanhadas” nestas publicidades foram Ernst August Von Hannover, conhecido por ser o marido da princesa da Carolina do Mónaco, conhecida por ter sido, em tempos, muito conhecida e o escritor Dieter Bohlen, um conhecido produtor, compositor e arranjador musical alemão, segundo a Wikipedia.

O marido da princesa Carolina do Mónaco é famoso pelo seu carácter belicoso, tendo tido, algum tempo antes da campanha publicitária, dois confrontos que tinham sido notícia: num deles, tinha agredido um operador de câmara com um guarda-chuva e no outro tinha agredido o gerente de uma discoteca, tendo mesmo sido condenado pelo crime de agressões. Já o músico tornara-se mais conhecido por se ter visto obrigado a cortar diversas passagens do seu livro Nos Bastidores em virtude acções judiciais de pessoas difamadas.

A Lucky Strike, no caso do marido da princesa, fez uma vasta campanha em toda a Alemanha em que a única imagem era um maça de cigarros caído amarfanhado e a legenda por cima do maço, era : Foi o Ernst? Ou o August? Em baixo, o slogan: Lucky Strike. Nenhum outro. E, no caso do músico, a fotografia da campanha mostrava dois maços de Lucky Strike, um com um cigarro aceso por cima e o outro com uma caneta marcador preta encostada e com a legenda por cima: Vê, caro Dieter, como se escrevem facilmente super-livros, sendo que a palavras caro, facilmente e super estavam riscadas com tinta negra do marcador embora legíveis. Por baixo, o slogan Lucky Strike. Nenhum outro.

Qualquer destas figuras públicas não gostou do humor publicitário da Lucky Strike e invocando a utilização não autorizada para fins comerciais do seu nome, recorreu aos tribunais alemães. Pediram a proibição da campanha publicitária e indemnizações de largas dezenas de milhares de euros a título de pagamento do que custaria uma autorização para a utilização comercial dos seus nomes. Os tribunais de 1.ª instância e de recurso deram-lhes razão e, embora fixando valores diferentes, consideraram que tinha havido uma violação dos direitos de personalidade dos queixosos com uma utilização comercial não autorizada dos seus nomes, que devia ser paga. Mas o Tribunal Federal de Justiça alemão revogou as duas sentenças e absolveu a Lucky Strike por considerar que a liberdade de expressão da companhia era um direito constitucional que devia prevalecer sobre o direito das figuras públicas a explorarem a utilização do seu nome que era um direito meramente legal e não constitucional. Sendo certo que, entretanto, a Lucky Strike já decidira suspender a campanha pelo que só estava em causa a indemnização.

Embora se estivesse num caso de liberdade de expressão comercial, o Tribunal Federal de Justiça considerou que o carácter sarcástico, humorístico e subtil das imagens e legendas contribuíam para o debate público e para a formação da opinião pública. Salientou também este tribunal que não havia qualquer ofensa às figuras públicas em causa que mais não visavam do que obter uma indemnização em termos igualmente comerciais. E, provavelmente, os juízes conselheiros foram fumar a sua “cigarrada.”

Ernst August e Dieter Bohlen rumaram, então, para Estrasburgo. Invocavam que a Alemanha tinha violado o art.º 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) que determina, entre outras coisas, que “qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar.”

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) considerou que tudo se resumia a definir o ponto do justo equilíbrio entre o direito dos cidadãos em causa ao respeito da sua vida privada e a liberdade de expressão da sociedade, que é garantida a “qualquer pessoa” independentemente de ter um fim lucrativo ou não. O TEDH teve, então em conta, o fato de estarem em causa duas figuras públicas que, elas próprias, se tinham projectado publicamente com as suas actuações (agressões e publicação do livro), de não serem revelados quaisquer pormenores das suas vidas privadas nem a campanha ter quaisquer aspectos negativos ou degradantes em relação aos queixosos, antes tendo um carácter humorístico. E concluiu, no passado dia 19 de Fevereiro, que a Alemanha decidira bem ao dar prevalência à liberdade de expressão pelo que não violara o respeito à vida privada dos queixosos consagrado na CEDH. Uma louvável decisão.

P.S.: Uma boa notícia para aqueles que defenderam publicamente a invasão do Iraque: a recente proposta de lei de criminalização da apologia do terrorismo não prevê efeitos retroactivos.

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