A droga é sempre um mal

O Estado não pode tornar-se cúmplice da auto-degradação pessoal em que se traduz a toxicodependência.

Há quem invoque, para justificar essa legalização, um princípio de respeito pela autonomia individual (segundo a conhecida tese de Stuart Mill: “sobre si próprio e sobre o seu corpo, o indivíduo é soberano”). E há quem invoque razões pragmáticas: o fornecimento de droga pelo Estado, ou de forma controlada, evitaria a criminalidade associada à toxicodependência, fazendo baixar os preços e desviando deste âmbito a ação da criminalidade organizada e das redes de tráfico.

Invocar a liberdade não colhe. Na verdade, talvez o mais nocivo dos efeitos do consumo de droga (mais até do que outros danos para a saúde) seja, precisamente, a perda da liberdade. Não é autêntica uma liberdade que se autodestrói (La liberté détruite – é o título de um livro do psicanalista francês Tony Anatrella, da editora Flammarion, sobre esta questão).

Depois, o consumo de droga produz uma evidente nocividade social. Nenhuma pessoa é uma ilha isolada. Não é só o consumidor que se prejudica com a droga, porque esse prejuízo tem reflexos sociais: na família, no trabalho, na ordem pública, na segurança rodoviária, etc. Porque o consumo de droga é um problema de saúde pública, e não apenas uma escolha privada, todos os Estados adotam políticas para prevenir esse consumo.

Invocar razões pragmáticas de eventual redução da criminalidade associada à toxicodependência para justificar a legalização da droga significa derrubar uma barreira ética à ação do Estado. Este não pode tornar-se cúmplice da auto-degradação pessoal em que se traduz a toxicodependência. Quando o Estado autoriza o fornecimento de droga, ou até para tal contribui ativamente, por muitos controlos que vigorem, é isso mesmo que faz: contribui para o consumo de droga (e daí que se fale em Estado dealer). Um princípio elementar de que parte qualquer política legislativa é o de que legalizar uma conduta torna mais fácil a sua prática, contribui para a incrementar. A eventual redução da criminalidade nunca poderá obter-se à custa do sacrifício da dignidade e da saúde de qualquer pessoa vítima da toxicodependência.

Por outro lado, nem sequer é certo dizer que a legalização da droga afasta do respetivo mercado a criminalidade organizada. Restarão margens de clandestinidade do mercado, fora do quadro da legalização (a dos consumidores menores de idade, a dos tipos ou quantidades de droga não abrangidos por um fornecimento legal que se pretende controlado). Cria-se um mercado paralelo clandestino, em concorrência com o legal, que essas redes criminosas aproveitarão. Por esse motivo, Franco Roberti, procurador italiano responsável pelo combate à Mafia, considera que esta organização ganharia com a legalização da droga, aproveitando um ainda mais lucrativo mercado clandestino, como aproveita hoje os mercados clandestinos de venda de tabaco e dos jogos de fortuna e azar (Avvenire, 10/2/2014).

As experiências de livre consumo de drogas não são de hoje. E não são nada encorajadoras. A história regista a da sociedade islâmica medieval, minada pelo haxixe, ou a da China na segunda metade do século XIX, devastada pelo consumo de ópio (“o maior exemplo de intoxicação coletiva da história”). A Suécia foi pioneira na legalização do consumo de droga (também pretensamente controlado) nos anos sessenta de século XX. As consequências nefastas desta experiência (aumento do consumo e também da criminalidade) levaram a uma inflexão da tendência da política dos sucessivos governos, que se mantém até hoje (ver Jean- Philipe Chenaux, La drogue en liberté – un piège mortel, F.X. de Guiber).

O Papa Francisco disse-o com clareza (a 20/6/2014): “A droga não se vence com a droga! A droga é um mal, e com o mal não nos podemos dar por vencidos nem ceder a compromissos.”

Juiz

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